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segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Em processo de humilhação…social

 


Mesmo que de forma inconsciente temos estado a viver um processo de humilhação, que, por ser rotativa, ainda não fez com que todos assumíssemos que nos atingiu com maior acutilância: o confinamento por ocasião das restrições criadas pelo vírus da pandemia. Agora que se tem vindo a acelerar a quantidade de pessoas sob a alçada dessa privação necessária da liberdade talvez isso deixe de ser algo lateral para se tornar um aspeto essencial da nossa vida coletiva.

Nunca pensei que as pessoas fossem tão atrozes, quando está em causa uma espécie de perigo de contágio. Nunca julguei que certos gestos pudessem tornar-se marginalizadores, mesmo que com sentido de prevenção. Nunca considerei que alguns aspetos dissuasores da possível doença revestissem a possibilidade de afastar as pessoas sob o medo.

1. Estamos prestes a completar dois anos sob a alçada do ‘covid-19’. Aquilo que parecia uma pequena infeção tornou-se infetocontagioso em alta escala, espalhando entre todas as sociedades, desde as mais civilizadas até às mais remotas; desde os palácios mais desinfetados até aos tugúrios mais fétidos; desde os laboratórios científicos até às masmorras mais recônditas e esconsas; desde as finas figuras mais higienizadas até aos que mergulham na imundície mais sórdida… Tornamo-nos uma sociedade anónima prenhe de medos… e não foi só a máscara que nos fez anonimar, foi tudo o que foi criado em volta de nunca sabermos quando será a nossa hora de sermos submetidos à prova…

2. Até que um dia, quando menos se esperava, o teste deu positivo, mesmo que os indícios da doença sejam diluídos. Dizem que serão aos milhares os que terão de sair de circulação por mais ou menos tempo. A previsão que de todos seremos (seríamos) contaminados vai ganhando qualidade de convicção. Enquanto houver quem cuide dos outros ainda será uma contingência salutar. Os números crescem de dia para dia e aquilo que ontem era suspeita, hoje tornou-se realidade: precisar de ajuda não é mais uma fraqueza, mas uma certeza de que estamos numa cadeia de relações crescentemente vinculativas da fragilidade de todos e de cada um.

3. Artefactos como testes (rápidos ou em laboratório) e vacinação, certificados e novas testagens passaram a fazer parte da rotina para dar acesso a locais com presença de outras pessoas. Assim nos vamos enganando, sem nos apercebermos que, por muito pouco, poderemos ser fatores de humilhação (pública ou privada), se não houver tato e cuidado nas abordagens e nos comportamentos. Em todo este processo social há riscos e perigos múltiplos e sabermos entender, interpretar e vivenciar tudo isto exigirá capacidade de educação, de civismo e mesmo de compreensão básica.

4. Duas linhas parecem querer confrontar-se na interpretação do fenómeno desta pandemia: uma mais de pendor sanitário e outra de teor mais económico, como se pudesse haver saúde sem economia ou economia sem saúde. Alguns setores de atividade, como as escolas nos diversos níveis, têm andado ao sabor dos números da pandemia… abrindo ou fechando em consonância com as oscilações de maior ou menor contágio e/ou risco de difusão. Somos e estamos num contexto de interdependência de proximidade, como confiar em quem não acredita em si mesmo e tão pouco respeita os outros?

5. De entre as várias consequências destes quase dois anos de estarmos com o ‘credo na boca’ em razão do vírus, há uma que relevo: parece que nos temos vindo a tornar menos egoístas, se bem que andemos na defensiva, pois aquilo que os outros fazem têm repercussão na nossa vida e também aquilo que nós vamos vivendo pode deixar marcas nos outros: desde os cuidados higiene-sanitários, passando pela vacinação e até pelo distanciamento recomendado ou o uso da máscara… Há algo que me confunde: como é que há pessoas que, vendo perecerem tantas vítimas, ainda se julgam no direito de não respeitar os demais? Como poderemos considerar tais criaturas dignas de viverem em sociedade? Ninguém escapará sozinho!

António Sílvio Couto

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