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segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Filhos ou ‘animais de estimação’: (in)compatibilidades?

 


O Papa Francisco na primeira audiência geral deste ano civil (5 de janeiro) foi claro, contundente e preciso: «Há dias, falei sobre o inverno demográfico que há atualmente: as pessoas não querem ter filhos, ou apenas um e nada mais. E muitos casais não têm filhos porque não querem, ou têm só um porque não querem outros, mas têm dois cães, dois gatos… Pois é, cães e gatos ocupam o lugar dos filhos. Sim, faz rir, entendo, mas é a realidade. E esta negação da paternidade e da maternidade diminui-nos, cancela a nossa humanidade. E assim a civilização torna-se mais velha e sem humanidade, porque se perde a riqueza da paternidade e da maternidade. (...) A paternidade e a maternidade são a plenitude da vida de uma pessoa. Pensai nisto. É verdade, existe a paternidade espiritual e a maternidade espiritual para quem se consagra a Deus; mas quem vive no mundo e se casa, deve pensar em ter filhos, em dar a vida, pois serão eles que lhes fecharão os olhos, que pensarão no seu futuro. E também, se não podeis ter filhos, pensai na adoção. É um risco, sim: ter um filho é sempre um risco, quer natural quer adotivo. Mas pior é não os ter, é negar a paternidade, negar a maternidade, tanto a real como a espiritual».
O Papa falava numa catequese que vem desenvolvendo sobre São José, agora na vertente de ‘São José, o pai putativo de Jesus’.

1. Estas palavras do Papa desencadearam algumas reações dos (ditos) defensores dos direitos dos animais, tanto ao nível geral como nos nossos partizecos, que tentam mover-se na mesma linha animalista mais ou menos assanhada. Esses arautos dos animais foram desenterrar posições que o Papa Francisco tem apresentado, desde 2014, na denúncia pela troca de prioridades – ‘degeneração cultural’, nas palavras papais – entre os filhos e os animais (apelidados) de estimação. Os defensores da ‘vida animal’ chegaram ao ridículo de ironizar com o Papa por este ter escolhido como nome pontifício o de ‘Francisco’, considerado o patrono dos animais... Pior ainda é quando metem na equivalência dedicação – apelidada comummente de ‘voluntariado’ – em salvar vidas, dado que a vida seria sagrada para além da espécie. Não estaremos a confundir critérios e valores? Não estarão a misturar prioridades subjugadas por ideologias? Não se quererá jogar com palavras dando-lhes o sentido que mais possa convir aos intentos animalistas, conferindo cidadania idêntica a humanos e a animais?

2. Quanto aos ‘nossos’ argumentadores da defesa da vida animal, parece que podemos estar falados, pois eles misturam na mesma sigla ‘pessoas e animais’, acrescentando ‘natureza’ para que possam dar uns laivos de holística, sem tomar posição por nada, de forma assumida, refletida e clarividente. Os fogos-fátuos podem iludir durante algum tempo, mas não perduram o tempo todo. Isso mesmo se pode depreender de certas agremiações animalistas que mais não parecem do que correias-de-transmissão de ideias da ‘new âge’ (nova era), esse sincretismo de sabor pseudoecologista, que tende a ‘tomar a nuvem por Juno’, a árvore pela floresta ou de deitar fora a criança com a água do banho… Seja qual for a votação, a ecologia é mais abrangente do que os tiques de certos mentores… sem conteúdo, mas com alguma dose de oportunismo!

3. Vejamos as implicações socioculturais das palavras do Papa Francisco, quando nos adverte para que os animais de estimação – por muito salutares que possam ser ou de tornarem-se presença numa casa – não podem atrofiar a abertura ao dom da vida, pelos filhos, ou nem sequer podem funcionar como artefactos de substituição afetivo-emocional da paternidade/maternidade que se exprimem pela dádiva às pessoas, essas que mais se assemelham à natureza humana. Com efeito, certos ‘amores’ a animais quase deixam a nu que algo vai mal no reino da afetividade, da emotividade senão mesmo do equilíbrio de valores e de princípios.
Nalgumas situações não se poderá considerar quase uma barbaridade encafuar animais de razoável porte em pequenos andares? Não se poderá considerar que esses animais podem ser mais de estimulação (sabe-se lá do quê) do que de estimação? Para quando possa haver uma regra que proíba de usar os animais em proveito das intenções humanas, como se pode depreender do acumulado de animais na mesma casa/andar? Ora, em última instância, preferir os animais aos filhos será avanço ou recuo de civilização?

António Sílvio Couto

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