Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Hora de votação dos proscritos

Depois de várias conjeturas sobre o modo de votação nas próximas eleições legislativas daqueles que se possam encontrar em confinamento devido ao contágio (infetado ou em regime profilático) do ‘covid-19’: das 18 às 19 horas, do dia 30 de janeiro, os proscritos sociais podem sair de casa para cumprir o seu dever cívico de votar… Eis a forma engenhosa que encontram para reunir todas as condições para o exercício condicionado de um direito, o de escolher (ou não) que queremos que nos governe…

1. A solução saída das decisões dos organismos máximos da saúde, em Portugal, conseguiu fazer surgir um nado-morto, pois, se alguém que não esteja condicionado pelo vírus não poderá votar naquele horário estabelecido, assim como quem estiver sob a alçada da virose social só pode votar naquela parca hora do dia, por sinal já na penumbra da noite? Fosse qual fosse o veredito tomado haveria sempre prós-e-contras. Fosse qual fosse a decisão – nem sempre com acordo absoluto de todos – uns serão beneficiados e outros prejudicados, sobretudo enquanto contarem mais os interesses individuais do que as condições coletivas e de bem comum.

2. Há, no entanto, uma lição que venho colhendo com mais acutilância nos tempos mais recentes: como reagirão os cerca de oito milhões de ainda não-contaminados pelo vírus: sentem-se acima da qualquer suspeita até ao dia que possam entrar na lista fatídica ou poderão tendem a ostracizar os já atingidos com a sobranceria de quem ainda não testou positivo? Se, como dizem, mais tarde ou mais cedo, todos seremos atingidos, não seria de bom senso cuidar das repercussões de quem, para além da provação, ainda tem de ser submetido à exclusão social e quase-política?

3. Passados quase dois anos sobre esta pandemia ainda não aprendemos lições mínimas de mudança, desde a convivialidade até às normas sanitárias mais básicas, passando ainda pela aprendizagem no cuidado que todos precisamos de fazer sobre nós próprios e os outros, respeitando-os e sendo respeitados. A custo fomos aprendendo que estamos no mesmo barco – como nos dizia o Papa Francisco, por ocasião do gesto profético de 27 de março de 2020 – embora nos pareça que o barco se possa afundar bem mais depressa do que julgamos. Em pequenos sinais podemos captar que fomos procurado ultrapassar o assunto, mas não colhemos ainda as lições mais essenciais de reaprendizagem: as pessoas valem mais do que a economia; esta só interessa se servir as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis; estes não podem ser descartados como excremento humano, pois o animal vai ganhando foros de cidadania inexplicável…

4. Lá, onde se faz a diferença, continuamos a adiar o confronto com a mudança civilizacional em causa: poderemos estar (ou pretensamente ter) com maior ou menor qualidade de vida, se esta não for cuidada nas suas dimensões psicológica e espiritual, as regalias materiais não passarão de artimanhas de uma cultura para quem somos reduzidos à matéria mais ou menos descartável. Esta sensação de fragilidade que a pandemia nos trouxe a todos de forma acutilante, atroz e marcante... por várias décadas ainda, dever-nos-ia tornar mais humildes perante as dificuldades de saúde de tantos dos nossos contemporâneos e de nós mesmos. Precisamos de deixar cair as máscaras de autossuficiência com que nos andamos a iludir em tantos dos momentos da nossa vida. Precisamos de cuidar uns dos outros, não deixando ninguém de fora pela simples razão de estarem ou de terem estado sob confinamento em razão do vírus...

5. Este episódio da votação sob condição para com os ‘adoentados’ pode ser útil para todos nos consciencializarmos das nossas debilidades e não somente olhar os outros com algum desdém. Não podemos permitir que as (ditas) decisões políticas possam servir algumas forças, em detrimento de outros, mas fazendo com que todos assumamos as nossas responsabilidades cívicas, agora ou futuro. Não podemos permitir que haja proscritos em razão das suas fragilidades, mas que esta circunstância nos tem tornado mais cidadãos, aqui e agora!



António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário