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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Para uma cultura do silêncio e para a escuta




Não será que muito do barulho e da falta de silêncio dos nossos dias é obra do espírito do mal, em nós e à nossa volta? Não será que muitas das convulsões sociais, familiares e pessoais do nosso tempo são resultado de nos termos deixado ‘apanhar’ pelas forças do mal? Não andaremos mais a prestar culto ao mal do que a saborear o silêncio de Deus em nós e à nossa volta? Por que será que ainda não descobrimos as artimanhas do mal, que nos sacode para a agitação e não nos conduz à escuta e ao silêncio?
 
Diz-se com propriedade: o bem não faz barulho e o barulho não faz bem; mas o mal gera barulho, confusão e agressividade. Efetivamente precisamos de tentar encontrar quais as causas de nos andarmos a distrair com tanto barulho, que, de várias formas, está a deixar marcas nas pessoas, tornando-as, além de irascíveis umas para as outras, também desequilibradas consigo mesmas.
 
«O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo. No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como exprimir-nos. Calando, permite-se à outra pessoa que fale e se exprima a si mesma, e permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada confrontação, às nossas palavras e ideias. Deste modo abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais plena. É no silêncio, por exemplo, que se identificam os momentos mais autênticos da comunicação entre aqueles que se amam: o gesto, a expressão do rosto, o corpo enquanto sinais que manifestam a pessoa. No silêncio, falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que encontram, precisamente nele, uma forma particularmente intensa de expressão. Por isso, do silêncio, deriva uma comunicação ainda mais exigente, que faz apelo à sensibilidade e àquela capacidade de escuta que frequentemente revela a medida e a natureza dos laços. Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante daquilo que é inútil ou acessório. Uma reflexão profunda ajuda-nos a descobrir a relação existente entre acontecimentos que, à primeira vista, pareciam não ter ligação entre si, a avaliar e analisar as mensagens; e isto faz com que se possam compartilhar opiniões ponderadas e pertinentes, gerando um conhecimento comum autêntico. Por isso é necessário criar um ambiente propício, quase uma espécie de «ecossistema» capaz de equilibrar silêncio, palavra, imagens e sons».
 
Esta solene declaração do Papa emérito Bento XVI, na ‘Mensagem para o 46.º dia mundial das comunicações sociais (20 de maio de 2012), coloca-nos ‘guias’ de interpretação, de discernimento e de conduta para com o silêncio, essencial para que haja diálogo e por conseguinte cultura de escuta de todos e para com todos. Quantas vezes, sem o necessário silêncio, poderemos estar a ‘bavarder’, isto é, a tagarelar sem nexo nem conteúdo, dizendo de nós e impedindo os outros de serem escutados.
 
* O silêncio é comunicação. Sim, estar em silêncio é muito mais do que estar calado…poderá ser densidade de conteúdos, mesmo sem pronunciamento de palavras.
 
* Abrir um espaço de escuta recíproca. Quem se cala, deixa o outro falar e diz de si o que, sem o nosso silêncio, poderia ser obstaculizado. Não andará, por aí, muita gente emburrada por falta de oportunidade em ser escutada…com respeito e sinceridade?
 
* Do silêncio deriva uma comunicação mais exigente. Mais do que imposto o silêncio deve ser uma escolha das pessoas que livremente se aceitam como interlocutores em diálogo. Tudo o resto seria monólogo tolerado e comunicação unívoca e sem sentido…

= Como poderemos, então, contribuir para uma ‘cultura de escuta’?
Nas palavras do Papa Francisco, proferidas no ‘Angelus’ de 5 de setembro passado, lemos: «Todos nós temos ouvidos, mas muitas vezes não conseguimos ouvir. Porquê? Irmãos e irmãs, existe de facto uma surdez interior, e hoje podemos pedir a Jesus para lhe tocar e curar. E essa surdez interior é pior do que a física, pois é a surdez do coração. Na nossa pressa, com mil coisas para dizer e fazer, não encontramos tempo para parar e ouvir aqueles que falam connosco. Corremos o risco de nos tornarmos impermeáveis a tudo e a não dar lugar àqueles que precisam de ser ouvidos: penso nas crianças, nos jovens, nos idosos, muitos que não precisam tanto de palavras e sermões, mas de ser ouvidos. Perguntemo-nos: como vai a minha escuta? Será que me sensibilizo com a vida das pessoas, que sei como ter tempo para ouvir os que me rodeiam? (...) O renascimento de um diálogo muitas vezes não vem das palavras, mas do silêncio, sem insistências, do recomeçar pacientemente a ouvir a outra pessoa, de ouvir as suas lutas, o que tem dentro. A cura do coração começa com a escuta. Ouvir. E isto cura o coração».
 
Precisamos de ser curados da surdez interior (a do coração), de encontrar tempo para escutar quem fala connosco, de nos sensibilizarmos aos outros, de ouvir com atenção quem se cruza connosco, numa vocação de escuta, onde mais do que tudo, deixamos que o nosso coração seja curado por Deus num recomeçar paciente, pelo silêncio atento, sincero e permanente...

António Sílvio Couto

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