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terça-feira, 14 de setembro de 2021

Ataques do mal aos mais fragilizados

 


Ao tentarmos interpretar o que acontece no nosso tempo será ousado considerar que podemos ver (ou não) sinais da presença do mal em tantos dos comportamentos das pessoas, dos grupos, das instituições ou mesmo dos governos? Não será que a violência, a guerra, o ódio e a morte ao desbarato serão sinais do mal, mais ou menos organizado? Essa espécie de vulgarização da pornografia – com milhões de sites na internet e não só – nos nossos dias, não será uma manifestação demoníaca quase tolerada, aceite e incentivada? Certas tendências de desprezo pela vida – antes do nascimento (aborto) e até à morte provocada (eutanásia) – serão indícios do mal, tornado visível e com sequazes servidores? Quando os responsáveis políticos se prestam para aprovar leis contra a vida e como que em incentivo à morte não estarão a serem servidores do mal? Até que ponto o silêncio e a votação dos cristãos em partidos e agremiações que difundem o mal podem ser considerados pecado? Não será que certas tolerâncias e cumplicidades denunciam que nem sempre renegamos o mal como devíamos?


«Se é verdade que a vida humana em cada uma das suas fases é digna do máximo respeito, em certos aspetos ainda o é mais quando está marcada pela velhice e pela doença. A velhice constitui a última etapa da nossa peregrinação terrena, que tem fases distintas, cada uma com as suas luzes e sombras. Perguntamos: ainda tem sentido a existência de um ser humano que se encontra em condições bastante precárias, porque é idoso e doente? Por que motivo, quando o desafio da doença se torna dramático, continuar a defender a vida, não aceitando ao contrário a eutanásia como uma libertação? É possível viver a doença como uma experiência humana que deve ser assumida com paciência e coragem?» (126).
Esta citação do Papa Bento XVI tem quase década e meia de distância e coloca-nos uma questão que tem vindo a ganhar maior consistência na discussão pública: a eutanásia e o cuidado aos mais idosos da nossa sociedade. Com efeito, que dizer de uma sociedade política – como a portuguesa (15 de março de 2021) – que, no auge da pandemia de covid-19, aprovou, à socapa, uma nova lei de despenalização da ‘morte medicamente assistida’? Que consideração merecem tais ‘políticos’ que não sabem distinguir entre oportunidade e conveniência das suas propostas e interesses ideológicos? Numa sociedade cultural e geneticamente envelhecida não estaremos a cavar a nossa sepultura, em regime da vala-comum, sem identidade nem verificação dos sepultados?
Tentemos encontrar respostas às questões que nos são colocadas, não com soluções ideológico-religiosas, como tantas vezes pretendem dizer os defensores do aborto e da eutanásia, mas com propostas humanistas sérias, serenas e sensatas, como é próprio da doutrina cristã-católica. Com efeito, humanismo cristão alicerça-se nos valores e critérios do Evangelho, onde a pessoa vale na sua ‘ecologia integral’, como nos tem dito o Papa Francisco. Repare-se na luta insidiosa com que certas forças e meios de comunicação social – em fevereiro deste ano em pandemia – quiseram distorcer e/ou condicionar a voz da Igreja, quando alguns bispos se insurgiram contra a despenalização da eutanásia, como que querendo dizer que só quem é a favor pode ter voz ou tomar posição. Não é uma questão de ‘moda’ ou de oportunidade ser pela vida, mas esta sempre será a forma mais simples de Deus se manifestar e de Lhe prestarmos culto e louvor.
* Da mentalidade eficientista à inviolabilidade da vida
Tal como dizia o Papa Bento XVI, em 2007, ‘a mentalidade eficientista de hoje tende com frequência a marginalizar estes nossos irmãos e irmãs sofredores, como se fossem apenas um "peso" e "um problema" para a sociedade’. Cada pessoa parece que só vale em maré de produção, podendo tornar-se um peso social e familiar, quando perde essa componente de visão economicista. O mesmo se diga das mais variadas situações em que os mais frágeis como que perdem valor e quase hipotecam a sua dignidade, se não forem parte do processo materialista – capitalista, liberal, marxista ou comunista – da pessoa e da sua utilidade.
Com que destreza se argumenta que a pessoa pode até desprezar a própria vida se for – a seu olhar e na visão dos outros – menos válida ou talvez condicionadora da liberdade alheia. Os documentos da Igreja – em especial da Conferência Episcopal Portuguesa – sempre acentuam a inviolabilidade da vida humana em qualquer etapa da sua manifestação.

* A vida nunca se referenda
Mesmo que dando um certo trejeito democrático alguns setores da nossa sociedade, incluindo prelados, lançaram para a via pública a possibilidade de ser feito um referendo sobre a tal despenalização da eutanásia, secundando um outro erro cometido em 1998 e em 2007 sobre o tema do aborto. Já nessas ocasiões se cometeram atrocidades extremistas, ajudando mais a confundir do que a esclarecer.
Se o princípio de ‘a vida não se referenda’, é válido – e é-o inquestionavelmente – então deveremos lutar mais por ele do que, mesmo sob condição de pseudo vitória da parte defensora da vida, aceitarmos que tal consultar popular se realize.
Precisamos, antes de tudo, de vivermos e de nos comportarmos como defensores da vida e lutadores da sua dignidade por todos os meios, onde, desde a habitação até à saúde, passando pela educação e a segurança, esses valores estejam defendidos para todos e não só para uns tantos beneficiados.



António Sílvio Couto

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