Se
alguém dissesse ou ouvisse dizer esta frase: ‘adormeci a ver o jogo’… como que
chegaria à conclusão ou estaria a afirmar que o que foi visto (ou não) era de
tão má qualidade que o recurso levou ao sono…
Poderá,
no entanto, ser feita outra leitura: o telespetador ingeriu algo que o levou ao
estado de sonolência e/ou de abstração… Poder-se-á ainda acrescentar a
possibilidade de ter bebido para celebrar ou, por contraste, para esquecer o
desempenho dos seus apoiados.
Agora
que o campeonato da Europa 2020 caminha para o seu termo, será útil tentar
descortinar coisas que só o futebol tem, desde os meandros mais recônditos até
às possibilidades suficientemente recomendáveis.
Vamos
seguir uma espécie de acróstico com a palavra ‘futebol’, que desenvolveremos
nos sete itens que a compõem: fomentar unidade e tolerância, envolvendo
beleza, organização e lealdade:
* Fomentar – algo que deve ser próprio do desporto é a capacidade
de fomentar o entendimento entre os povos, as nações e as culturas, mas, ao
vermos certos aproveitamentos ideológicos e de temáticas de rutura, poderemos
considerar tais atitudes como capacitantes da boa vontade entre todos? A quem
interessa trazer para a liça pública sinais e simbólicas de fações? Seria bem
escusado…
* Unidade é
muito mais do que uniformidade, pois o futebol tem competição, logo adversários
em campos distintos, mas não inimigos; concorrentes, mas não forças em batalha,
mesmo que entre países beligerantes; ganhadores ou perdedores, mas só no final
dos jogos, nunca por antecipação nem por manipulação sub-reptícia. Com efeito,
as armas do campo da bola devem ser redondas e nunca afuniladas por influências
não-legítimas.
* Tolerância não se confunde nem se obstaculiza com competição,
concorrência e competência. De facto, estas podem (e devem) ser itens do jogo
antes, durante depois de ele acontecer. Isso a que quiseram apelidar de
‘respeito’ não pode ser um slogan nem tão pouco uma faixa decorativa nos
equipamentos dos jogadores.
* Envolvendo fatores e fautores o mais diversificados possíveis, na
medida em que o jogo de futebol pode (ou deve) envolver todas as circunstâncias
reveladoras das condições humanas, pois uma bola pode quebrar barreiras,
atenuar diferenças ou mesmo ultrapassar preconceitos. Bastará ver as crianças a
jogarem, até com desconhecidos: algo une e espoleta sentimentos, que de outra
forma seriam inultrapassáveis no modo racional…Certos conflitos desportivos
revelam à saciedade a irracionalidade dos intervenientes…clubísticos.
* Beleza – essa faculdade de um bom jogo, sem truques nem tricas,
sem ‘artistas’ nem artimanhas, sem óculos embaciados pela raiva anti-ninguém… Quem
não se extasia ao ver a troca de bola, as jogadas bem executadas, os passes bem
medidos e os golos de belo efeito? Esta vertente do espetáculo não se coaduna
com os fervores faciosos de cor, mas alegra-se com os resultados no
entretenimento. Esta faceta do futebol exige desprendimento e elevação de
ideais nem fáceis de ver e, sobretudo, de viver…
* Organização – nada se faz sem o mínimo de articulação entre todos os
participantes – atletas/jogadores, dirigentes/agremiação, adeptos/apoiantes. O
problema será quando alguns dos pratos da balança pretendem prescindir dos
outros…correndo o risco do ridículo e de fazerem figura triste porque vencidos
ainda antes de competirem…
* Lealdade – torna-se imprescindível que esta qualidade faça parte
do jogo, mesmo que possa estar escondida, não deve ser descartada. Ser leal é
algo que mexe com a boa relação das pessoas umas com as outras porque são
verdadeiras, sinceras e honestas consigo mesmas. Quem não acredita nos outros,
desconfia de si próprio. O futebol precisa desta lealdade nas intenções e no
comportamento…
António Sílvio Couto
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