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segunda-feira, 5 de julho de 2021

Adormecer a ver futebol

 


Se alguém dissesse ou ouvisse dizer esta frase: ‘adormeci a ver o jogo’… como que chegaria à conclusão ou estaria a afirmar que o que foi visto (ou não) era de tão má qualidade que o recurso levou ao sono…

Poderá, no entanto, ser feita outra leitura: o telespetador ingeriu algo que o levou ao estado de sonolência e/ou de abstração… Poder-se-á ainda acrescentar a possibilidade de ter bebido para celebrar ou, por contraste, para esquecer o desempenho dos seus apoiados.

Agora que o campeonato da Europa 2020 caminha para o seu termo, será útil tentar descortinar coisas que só o futebol tem, desde os meandros mais recônditos até às possibilidades suficientemente recomendáveis.

Vamos seguir uma espécie de acróstico com a palavra ‘futebol’, que desenvolveremos nos sete itens que a compõem: fomentar unidade e tolerância, envolvendo beleza, organização e lealdade:

 * Fomentar – algo que deve ser próprio do desporto é a capacidade de fomentar o entendimento entre os povos, as nações e as culturas, mas, ao vermos certos aproveitamentos ideológicos e de temáticas de rutura, poderemos considerar tais atitudes como capacitantes da boa vontade entre todos? A quem interessa trazer para a liça pública sinais e simbólicas de fações? Seria bem escusado…

 * Unidade é muito mais do que uniformidade, pois o futebol tem competição, logo adversários em campos distintos, mas não inimigos; concorrentes, mas não forças em batalha, mesmo que entre países beligerantes; ganhadores ou perdedores, mas só no final dos jogos, nunca por antecipação nem por manipulação sub-reptícia. Com efeito, as armas do campo da bola devem ser redondas e nunca afuniladas por influências não-legítimas. 

 * Tolerância não se confunde nem se obstaculiza com competição, concorrência e competência. De facto, estas podem (e devem) ser itens do jogo antes, durante depois de ele acontecer. Isso a que quiseram apelidar de ‘respeito’ não pode ser um slogan nem tão pouco uma faixa decorativa nos equipamentos dos jogadores.

 * Envolvendo fatores e fautores o mais diversificados possíveis, na medida em que o jogo de futebol pode (ou deve) envolver todas as circunstâncias reveladoras das condições humanas, pois uma bola pode quebrar barreiras, atenuar diferenças ou mesmo ultrapassar preconceitos. Bastará ver as crianças a jogarem, até com desconhecidos: algo une e espoleta sentimentos, que de outra forma seriam inultrapassáveis no modo racional…Certos conflitos desportivos revelam à saciedade a irracionalidade dos intervenientes…clubísticos.

 * Beleza – essa faculdade de um bom jogo, sem truques nem tricas, sem ‘artistas’ nem artimanhas, sem óculos embaciados pela raiva anti-ninguém… Quem não se extasia ao ver a troca de bola, as jogadas bem executadas, os passes bem medidos e os golos de belo efeito? Esta vertente do espetáculo não se coaduna com os fervores faciosos de cor, mas alegra-se com os resultados no entretenimento. Esta faceta do futebol exige desprendimento e elevação de ideais nem fáceis de ver e, sobretudo, de viver…   

 * Organização – nada se faz sem o mínimo de articulação entre todos os participantes – atletas/jogadores, dirigentes/agremiação, adeptos/apoiantes. O problema será quando alguns dos pratos da balança pretendem prescindir dos outros…correndo o risco do ridículo e de fazerem figura triste porque vencidos ainda antes de competirem…

 * Lealdade – torna-se imprescindível que esta qualidade faça parte do jogo, mesmo que possa estar escondida, não deve ser descartada. Ser leal é algo que mexe com a boa relação das pessoas umas com as outras porque são verdadeiras, sinceras e honestas consigo mesmas. Quem não acredita nos outros, desconfia de si próprio. O futebol precisa desta lealdade nas intenções e no comportamento…        

 

António Sílvio Couto

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