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segunda-feira, 26 de julho de 2021

Mentiras do polígrafo

 


Alguns canais televisivos introduziram na sua programação subtemas de pretensa averiguação da autenticidade de certas notícias. Este processo envolve a participação de outros intervenientes, numa espécie de análise do que há de sério, mesmo que possa ser visto a brincar.

O esquema parece assaz simplório: escolhe-se um assunto (facto, pessoa ou situação), tenta-se ver os diversos ângulos (numa espécie de contraditório), introduz-se uma razoável dose de bom senso (despe-se a roupagem do sensacional) e aparecem os resultados…desejados, corretos ou normais.

Mais do que de má-informação, por parte destes programas, é a capciosa intenção de recorrerem a isso que apelidam de ‘redes sociais’, servindo-se delas como meio de informação, tanto mais que a maior parte das pistas não parecem passar de pundonores agravados ou ainda de ressabiamentos mais digeridos. Por aqui se pode ajuizar da qualidade populista – tentativa de usar o ‘povo’ para de seguida se voltar contra ele – de tais programas suspeitos…

 1. Num dos canais aparece a designação de ‘poligrafo’, lembrando esse artefacto almejado para a descoberta da verdade, ao lhe ser submetido algum réu. Embora não apareça o dito instrumento de aferição à possível verdade, pelo ‘programa’ – mais parece de entretenimento do que de informação – passa o julgamento de culpado ou de inocente, mesmo que não haja acusador nem vítima…

 2. O título do outro programa acha-se mais audacioso ao proclamar-se: ‘hora da verdade’. A parceria com uma publicação ‘on-line’ como que lhe poderia conferir outro estatuto, mas também aqui as escolhas para análise estão algo enviesadas, surgindo mais como ideológicas do que como oportunidades de esclarecimento dos conteúdos, por vezes, manipulados. Mais uma vez organiza-se o ‘jogo’ para que dê o resultado que se pretende…

 3. A par destes intentos de ‘descoberta’ da verdade vemos que se está a recrudescer uma tentativa de colocar – sob a alçada do governo – a classificação da autenticidade das notícias. Os tiques de ‘lápis-azul’ da censura de antanho voltam a atacar. Quem foi que investiu democraticamente o governo para ele ser o aferidor das ‘falas noticias’, se ele mesmo é o criador, o difusor e quem mais recolhe o resultado dessas mesmas notícias falsas’? Não andará o caçador a fazer-se fiscal das suas malfeitorias, arvorando-se em juiz em causa própria?

 4. Atendamos por instantes sobre esse fenómeno atroz de colocar como ‘fonte de informação’ a bisbilhotice mais ou menos difundida através do facebook ou de outros artefactos tolerados como meio de fazer correr quem tem a tarefa de informar. Aquilo que, noutras épocas, não passaria de um boato ou de uma suposição a confirmar como que assume o estatuto de notícia ou vai obrigar a desmentir sem nada ter acontecido, somente uma visão faciosa e talvez mal-intencionada. As fontes não estarão inquinadas, mas assumem a condição de ‘verdadeiras’? Não se estará a favorecer mais o escândalo do que a notícia? Não andaremos a reboque do que se quer ver e/ou ouvir e menos do que acontece, de verdade?

 5. O pior dos cenários em curso é a falcatrua bem orquestrada com que se tenta impingir alguma ideia ou combater algum projeto, se estiverem, à partida, fora do quadro ideológico de quem faz a comunicação social. Lóbis subtis ou mais ostensivos emergem para que possam reinar durante uns tempos e com facilidade serem promovidos para que não se repare nos problemas reais das pessoas, dos grupos e mesmo do país. A tendência de espremer o limão de um facto – mais do âmbito de um certo particular – condiciona que se veja outros problemas mais graves. Ora o atual governo é disso um dos habilidosos dos tempos mais recentes da nossa história coletiva. Com que intencionalidade e destreza se fornecem elementos sobre ‘casinhos’ pequenos para distrair do que realmente está a acontecer. O lançar para a ribalta de ‘questões fraturantes’ faz com que se não veja o que estão a cozinhar nas costas do povo… hoje como ontem!

Será que a maioria da comunicação social em curso fosse ao polígrafo sairia sem ser chamuscada na mentira?

 António Sílvio Couto

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