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quarta-feira, 7 de julho de 2021

Quem (ou por quem) combatemos: ricos ou pobres?

 


Conta-se, numa espécie de anedótico, que um alto dirigente lusitano, em visita à Suécia, por ocasião dos eflúvios revolucionários de abril de 1974, terá deixado escapar: lá, em baixo, estamos a tentar acabar com todos os ricos; ao que o interlocutor respondeu: nós, aqui, queremos é acabar com os pobres…

Pelo que temos visto, ouvido e constatado a doença continua a proliferar em certos setores político-ideológicos, económico-financeiros e, sobretudo, culturais…deste país que tem sobrevivido de mão estendida para com a Europa, reclamando direitos, sobrepondo-os aos deveres de construção de um continente onde o trabalho esteja antes de sucesso ou de regalias. O sarcasmo estampado no rosto de certos/as deputados/as denúncia que parece estarmos mais há cerca de cinquenta anos atrás do que numa Europa dos direitos humanos mais básicos…até prova em contrário!

 1. Depois das tranches de fundos europeus dos diversos quadros comunitários de apoio, desde a adesão à CEE/UE, em 1986, eis que se avizinha uma catadupa de dinheiro – de 2021 a 2030 – para tentar suster o descalabro provocado pela pandemia e, de algum modo, como um balão de suporte para quem governa, pois poderá continuar a manter os seus à tona da água, dado o afundamento eminente… de tudo e de todos.

Eis alguns dados a reter: 12,9 mil milhões de euros a fundo perdido; 12,8 mil milhões ainda do quadro ’20-20’, que se estende até 2023; 29,8 mil milhões do ‘quadro financeiro plurianual’ 2021-2027; 1,8 mil milhões como reforço do fundo de coesão; 15, 7 mil milhões em valor de empréstimo a que se pode recorrer… perfazendo tudo: 73 mil milhões de euros… até ao final desta década o montante global com que a Europa vai contemplar Portugal.

 2. Com tanto dinheiro a entrar no nosso país devemos perguntar: onde se vai investir? A quem contemplar? Como distribuir e com que critérios? As áreas a contemplar serão as mais prioritárias no presente e para o futuro? A gestão de tanto dinheiro estará defendida de erros do passado recente? As entidades fiscalizadoras – tribunal de contas e outras a criar – terão capacidade de decidir no tempo correto e segundo objetivos mais amplos do que o ‘terreiro do paço’ lisboeta? A máquina rançosa da ‘administração pública’ terá velocidade e destreza para gerir todos os interesses sem favorecer alguns, desde já, interessados? O glutão ‘estado’ não será, mais uma vez, o favorecido, o beneficiado e o beneficiador?

 3. Fixemo-nos, então, naquilo que motiva esta reflexão: o alvo final de tanto dinheiro serão os ricos ou os pobres? Uns ou outros podem ser o sujeito do investimento de tantos milhões! Será, no entanto, perante aquilo que quisermos fazer a intenção, o desejo ou a motivação que tudo se explicará. Se forem os ricos o sujeito prioritário daquele investimento continuaremos a fazê-los ainda mais ricos, desnivelando as condições humanas, sociais, económicas e culturais para com os mais pobres, que, por seu turno, se tornarão ainda mais pobres. Se, por outro lado, forem os pobres o alvo de opção para aqueles milhões provenientes da UE, então poderão ser criadas condições, medidas e políticas, de favorecimento contra os pobres, não pelo recurso a subsídios – como tantas vezes tem sido feito e usado – mas pela valorização cultural (educativa e profissional) dos intervenientes ativos e não passivos sem critérios e valores. Com efeito, a tática recorrente de lançar dinheiro sobre os problemas dos pobres antes de os resolver mais os tem agravado, pois é preciso ensinar a lidar com as questões, usando os meios económicos como ajuda e não como mera solução.

 4. Muitas das forças políticas, sociais e até religiosas precisam dos pobres para sobreviverem nas suas tarefas em favor deles. Os ‘pobres’ dão de comer e promoção a muita gente. Por isso, há que tê-los presos pela boca – baixos salários, devedores de benesses, empregados baratos – e criando-lhes apetência por regalias que nunca terão, pois se as atingissem sairiam do role dos pobres e não dariam votos e devotos aos promotores. Por outro lado, se os ‘ricos’ forem mais humanizados – em linguagem cristã, evangelizados – poderão colocar os seus bens, dinheiro e capacidades múltiplas em fazerem diminuir os pobres…atuais e futuros. O problema é estar com eles sem se deixar aburguesar ou sem perder os critérios em favor dos outros.

Efetivamente combateremos pelos pobres, para os fazermos sair da pobreza, se os valorizarmos e combateremos pelos ricos, se os convencermos da sua utilidade em favor dos mais precisados, os outros.        

   António Sílvio Couto

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