Para dar resposta ao confinamento exigido pelo ‘covid-19’ foi ressuscitado, recentemente, um método de ensino que vigorou no nosso sistema de aprendizagem durante alguns anos: a telescola, isto é, a receção de aulas através da televisão.
Se entre 1965 e 1987 [final do governo de Salazar e
dois anos após a entrada na CEE], esse modo de ensinar tinha um objetivo, o
agora reimplantado tem outro. Naquela época – antes, durante e depois do regime
caído em 25 de abril – esse sistema coexistia com o do ensino presencial e era
supletivo para quem não conseguia descolocar-se aos postos de ensino por dificuldades
muitas delas económicas, a telescola reproposta agora tem outras
caraterísticas.
Embora tenham existido outras experiências ligada ao
ensino superior – a lecionação do ano propedêutico e também a universidade
aberta – em versões de estudos televisionados, entre 1988 e 2013, vamos, no
entanto, centrar a nossa atenção nos dois projetos relacionados com o ensino
obrigatório.
* A telescola nos anos 60 e 80 dirigia-se aos alunos
do quinto e sexto anos de escolaridade, portanto, do ciclo preparatório; o
projeto =estudoemcasa envolve desde o 1.º até ao nono ano de escolaridade
* Naquele tempo a telescola era um recurso para quem
tinha dificuldades de ir à escola, tanto financeiras como de
transporte…chegando às zonas rurais e franjas da sociedade em expansão; agora a
situação deve-se à necessidade de não haver contato entre as pessoas devido ao
perigo de contágio pelo vírus;
* Naquele tempo as lições eram ministradas por um
professor tutelar da disciplina, através de aulas gravadas em estúdio e
acompanhadas por um outro professor em sala de aula (mais em escuta), segundo
as duas seções de aprendizagem, letras ou ciências…em não muito poucos casos um
dos professores-monitor era o pároco da freguesia, com o que tal significava
sobre os parcos proventos económicos que auferia; agora não há sala de aula nem
professor que acompanha, tudo vai direto ao aluno à distância…em casa, estando
o (pretenso) estudante diante da televisão, sem ser perturbado nem sendo perturbador
do aproveitamento, em aula.
= Atendendo às potencialidades das novas
comunicações temos de reconhecer que foi possível pôr em marcha um plano de
ensino à distância que a todos orgulha e que faz crer que somos capazes de
fazer melhor do que desdenhar das faculdades alheias. Temos mais do que
capacidades de desenrascanço. Já na primeira experiência da telescola nos anos
60 a 80 do século passado fomos considerados pioneiros na arte de fazer chegar
a educação aos mais desfavorecidos. Agora, em menos de duas semanas, foi posto
em marcha um processo de resposta às necessidades criadas pelo ‘covid-19’. Os
nossos alunos e professores podem continuar o mecanismo de ensino-aprendizagem,
usando tecnologias inovadoras (ou serão as suas ferramentas habituais?) em
ordem a sermos eficientes na forma e com bom conteúdo.
= Embora este panorama possa parecer simbólico/cultural
– atingindo para já o último período do ano letivo – poderemos formular algumas
questões um tanto preocupantes:
- a função de
professor – como é conhecida e mesmo reconhecida – continuará a ser a
mesma? O silêncio dos sindicatos parece ensurdecedor e comprometido, senão com
a solução ao menos com a razoável confusão;
- Os alunos/estudantes
não terão um novo estatuto e, com isso, possam adquirir mais autonomia em
relação a quem ensina em sala de aula? Na época do ‘touch’ parece estar a
surgir uma nova geração em aprendizagem.
- Os espaços
de aquisição de conhecimentos não poderão ser diferentes desses que
tínhamos até agora? Dá a impressão que os casos de mau comportamento na sala de
aula podem ter outra solução…
- Não estará a surgir um novo modelo de ensino, que corre o risco de ser mais ideológico do
que o das aulas presenciais? De uma forma mais generalizada poderão ser veiculados
valores e princípios tendencialmente mais de teor estatizante, com marca mais
agnóstica ou até sob a alçada de um saber humanista sem referência à divindade…isto
sem esquecer essa outra visão sem valores com que tanta gente se rege, se
conduz e vive.
= Sem recurso às mais básicas utopias abrilinas
poderemos construir um país/nação onde todos possamos contribuir para uma
sociedade mais justa porque mais fraterna, mais solidária porque mais atenta
aos outros e não aos nossos vis interesses, pessoais ou de grupo. Assim
aprendamos a caminhar de olhos postos na meta e não aferrados ao ponto de
partida…
António Sílvio Couto
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