‘Ele é o Cordeiro de Deus que tirou o pecado
do mundo: morrendo destruiu a morte e ressuscitando restaurou a vida’ –
rezamos no prefácio pascal I, em que marcamos os parâmetros do mistério da
paixão-morte-ressurreição de Jesus.
Se
tivermos em conta as duas essenciais vertentes desta oração – morrendo destruiu
a morte // ressuscitando restaurou a vida – em Igreja poderemos vislumbrar algo
que pode estar contido nas diferentes orações de prefácio do tempo pascal:
–
porque a nossa morte foi redimida pela sua morte e na sua ressurreição
ressurgiu a vida do género humano (prefácio II);
– foi
imolado sobre a cruz, mas não morrerá jamais; foi morto mas agora vive para
sempre (prefácio III);
–
porque, vencendo a antiga corrupção do pecado, renovou a vida do universo com
uma nova criação e restaurou o género humano na sua integridade original
(prefácio IV);
– pela
oblação do seu Corpo na cruz, levou à plenitude os sacrifícios antigos, e, entregando-se
a Vós pela nossa salvação, tornou-se Ele mesmo o sacerdote, o altar e o
cordeiro (prefácio V).
Numa
primeira leitura podemos encontrar dois binómios: cruz-morte; ressurreição-vida…
referenciando-nos à dimensão soteriológica e redentora de Cristo pela Igreja.
De que
morte ou de que vida se trata, quando rezamos e, sobretudo, quando cremos,
professando a nossa fé? Será ‘morte’ no sentido físico ou na dimensão
psicológico-espiritual? A ‘vida’ reduz-se só aos aspetos sensoriais ou envolve
outras vertentes, nem sempre tão cuidadas quanto devíamos?
Tentemos
elucidar estas questões.
– Antes
de tudo ‘vida’ refere-se a tudo quanto faz de cada um de nós e de todos os
outros seres viventes, nas suas mais diversificadas referências, que não
meramente as de natureza material/animal. Não será que muitas pessoas do nosso
tempo se reduzem, preferencialmente, a alimentar o corpo, menosprezando os
aspetos de natureza psicológica e espiritual. Quantos vivem como se se
confinassem à matéria do seu corpo físico-biológico, apreciando, valorizando e
cuidando dos prazeres sensoriais. Reparemos nos adereços com que se envolvem –
às vezes mais por fora do que por dentro – para que não corra perigo aquilo que
conhecem ou ao qual dão valor. Com o passar do tempo – como este é o melhor
mestre da vida – vão (vamos) percebendo que isso a que dávamos tanta
importância se vai tornando relativo ou aquilo em que gastavam (gastaram)
tantas energias, afinal, vai perdendo a importância tão exaltada.
– Talvez
a maturidade das pessoas se possa perceber ou avaliar (sem julgar) mais pela
‘desvalorização’ de si mesmas do que pela exaltação ou até culto do próprio eu.
O problema é quando se vive numa sociedade onde a superficialidade faz critério
e o papel de embrulho é mais valorizado que o conteúdo. Talvez seja isso em que
temos andado entretidos, isto é, a confundirmos o essencial com o urgente ou a
trocarmos os critérios pelas circunstâncias.
= O
sinal mais central da paixão-morte-ressurreição de Jesus é a Cruz: no contexto
do Calvário – o de ontem e o de hoje – tanto ao contemplarmos nela Cristo
crucificado, como ao olharmos para ela despida. Sendo símbolo da confluência
entre o Céu e a Terra – a haste vertical, que representa o mistério da
encarnação; a haste horizontal foi isso que Jesus fez, levando-nos com Ele em
toda a sua humanidade e salvando-nos pela sua entrega, pelo mistério da
redenção. É na Cruz que está contida em semente a explicação das palavras que
rezamos nos prefácios das eucaristias do tempo pascal: ‘morrendo, destruiu a
morte’ com tudo quanto envolve rutura com Deus pelo pecado; ‘ressuscitando,
restaurou a vida’ naquilo que nos foi concedido na dimensão espiritual, quando
aceitamos Jesus Ressuscitado na nossa vida, tudo renasce e ganha novo sentido,
a vida nova em Deus.
Podemos
– e vamos – continuar a experimentar a morte física, no nosso corpo, composto
por matéria frágil e biodegradável, mas, na dimensão espiritual, renasceremos
pela configuração com Cristo pelo batismo. Talvez este estado de pandemização,
que estamos a viver, nos possa ajudar a rever muitos dos nossos valores e
critérios: mais do que solidários na desgraça podemos/devemos tratar de viver
uma comunhão na conversão. Isto é um apelo à dimensão comunitária/social com
incidências pessoais muito intensas…
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário