Pelo
jeito que as coisas estão a ser conduzidas, o mês de abril será de renovado
condicionamento, com a terceira dose do ‘estado de emergência’, a contenção no
contato social…à mistura com certas expetativas de, em breve, regressarmos à
normalidade possível.
Desde
logo uma ressalva de princípios: considero um abuso intolerável que haja, quase
cinco décadas depois, quem se arvore em ser ‘dono’ da dita ‘revolução dos
cravos’, nem que se apresentem como arautos alguns dos que mais contribuíram
para o desvirtuamento disso que a utopia quis insuflar no país/nação. Muitos
daqueles que querem dar lições esquecem-se de fazer antes um ato de consciência
cívica sobre o modo como tem sido gerida a (tal) democracia: só a deles e dos seus
apaniguados (cor ou ideologia) é que vale, os outros seriam quase dispensáveis
até para darem algum valor às suas vitórias…muitas delas pírricas.
= A nova
dose (terceira) de ‘estado de emergência’ entra pelo próximo mês de maio.
Digamos que o mês de abril – pretensamente apelidado da ‘liberdade’ – é vivido
em estado de não-total liberdade ao menos exterior. Tal como noutros temas,
também neste temos visto algum atabalhoamento nas decisões: um dia diz-se, no
outro vem uma correção; num dia alarga-se a bitola, no seguinte afunila-se o
entendimento; num dia há um decreto-lei, no outro aparece uma portaria com um
sentido divergente da legislação anterior…
Diz-se
que deve continuar o confinamento social e um certo espaço de distanciamento
entre as pessoas (dois a quatro metros, dependendo da cubicagem de cada um),
mas para a sessão evocativo/funerária da ‘revolução’ os intervenientes podem
acotovelar-se sem risco nem perigo… Idêntico folclore se avizinha para o dito
‘dia do trabalhador’…
= Dado
que este tempo de recolhimento tem permitido refletir sobre os mais díspares
problemas, deixo aqui algumas questões de inquietação:
- Quando
assumirão os seus erros e falcatruas os inveterados da ‘revolução dos cravos’?
- As
empresas que faliram ou foram descapitalizadas não merecem serem mais do que escombros
de tempos gloriosos, arruinadas e agoirentas?
- Os
sindicatos que arruinaram tantas das empresas não deveriam ir a julgamento,
repondo o que desviaram?
- As
forças políticas ditas democratas, quando serão responsabilizadas pelo
afundamento repetido, contumaz e ciclo do país em quatro décadas?
- Ser
livre será só fazer o que lhe apetece, protegendo os seus compinchas ou não
deverá passar pela defesa da liberdade na diferença?
- A
esponja da farsa não deveria ser lavada para desinfetar quem a usou mais do que
para continuar a sujar quem com ela foi prejudicado?
- Qual
será a diferença entre gritar liberdade ou ter liberdade para gritar?
-
Quando aprenderemos a aceitar as ideias dos outros mais do que as manhas e subtilezas
das ideologias?
- A
iniciativa privada ainda é entendida como obstáculo à mentalidade estatal ou
esta sobrevive porque aquela trabalha, produz e paga impostos para alimentar
quem engorda nos (ditos) serviços públicos?
- Até
quando continuaremos a ver promovidas e a vivermos em ‘classes’ sociais, mais
marcadas pelo preconceito do que pela eficiência, mais à luz do compadrio do
que da qualidade, mais no favorecimento da mediocridade do que da meritocracia?
- Por
que há tanto revanchismo e desvirtuamento da história quando se trata de
denunciar os milhentos erros do comunismo e se faz alarde com idênticos crimes
do nazismo e quejandos?
- A
história terá mesmo de ter filtros e manipulações, dependendo dos interesses
(ignorâncias, cumplicidades ou manipulações) subjacentes?
= Em
abril estamos confinados pelo estado de emergência, aproveitemos para
refletirmos sobre nós mesmos, os outros, o nosso mundo e os deles, o nosso
futuro e as possibilidades alheias… Sem desenrascanços subtis, sejamos dignos
da história de país/nação com quase nove séculos de altos e baixos, de heróis e
de santos…
António Sílvio Couto
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