Quem
ouviu o presidente da república a falar na convocação para o 3.º ‘estado de
emergência’ ter-lhe-á ficado no ouvido a referência em que ele acentuou o
‘milagre português’, naquilo que ele interpretava como a chave do (aparente)
sucesso – ou melhor, no tão não-pior cenário – de combate à disseminação do
‘covid-19’ entre nós…
À boa
maneira de outros momentos da nossa história coletiva há uns tantos mais
habilidosos na arte do disfarce que procuram rejeitar qualquer alusão ao
divino, seja naquilo que for e, particularmente, quando as coisas não forem tão
dramáticas como seria expetável ou – pasme-se a subtileza! – na conveniência
das suas ideias antirreligiosas.
= Considero
do mais elementar da nossa condição social e cultural denunciar que há forças –
umas assumidas como braço dos aventalistas/maçónicos, outras como projeção de
vários esquerdismos (marxistas, trotskistas e anarco/amoralistas) – para as
quais lhes custa, minimamente, considerar, ao menos como hipótese, que não
conseguem explicar logicamente o que lhes escapa…acham-se donos de tudo e do
bastante, reduzem quem não seja como eles ao irrazoável de não-fé. É vê-los a
pulular em programas televisivos, arvorados em intelectuais, de circunstância
ou residentes no poleiro; jornalistas que precisam de afirmar a sua não-crença
como se tal lhes desse mais estatuto ou superior credibilidade; intervenientes
em programas de entretenimento – barato e subtil da manhã ou na versão
arrastada da tarde – que puxam a conversa para a sua afirmação da descrença e
não da sua posição profissional ou especialidade seja lá naquilo que for…e pelas
(ditas) redes sociais é um estendal de agnósticos, de laicos (na versão de
aversão ao fenómeno religioso) ou vendedores de ilusões bem mais patranhosas do
que as que pretendem gatafunhar aos crentes…
= Retornemos
à leitura da situação de ‘milagre português’ nas palavras do presidente.
Reportando-se aos números das vítimas do ‘covid-19’, o presidente fez-se eco,
no seu discurso de 16 de abril, da forma como os portugueses foram ‘solidários
e mobilizados, com disciplina, com zelo, com determinação, com coragem’,
suportando fortes privações neste caminho a que tantos estrangeiros chamam ‘o
milagre português’. Explicando esta expressão, o presidente considerou ainda
que ‘se isto é um milagre, como lá fora dizem, então nós, povo português, somos
um milagre vivo há quase nove séculos. Se isto é um milagre, o milagre chama-se
Portugal’.
Este
excerto da comunicação do presidente da república não nos pode fazer essa
figura de inferiorizados com que tantas vezes nos apreciamos, nos catalogamos
ou ainda nos golpeamos em jeito sadomasoquista.
Não
será preciso recorrer ao imaginário religioso da nossa história coletiva para
que não continuemos a mergulhar num tal pedantismo sem nexo que julga tudo
conseguir e nada apreciar em si mesmo e nos outros. Talvez nos faltem líderes
capazes de conduzirem este povo que, tantas e de tão variadas formas, faz das
suas fraquezas as melhores das forças…e não é só no futebol. Nos mais diversos
campos – inclusive no âmbito religioso – temos tido dirigentes lerdos, sem
visão e pouco nível intelectual e cultural…não-dignos dos nossos antepassados
heróis e santos.
Com
facilidade nivelamos as conquistas pelo senso comum, sem ambição nem união. O
servilismo das forças partidárias/ideológicas tem servido mais para promover
uns certos nababos do que para reconhecer a competência e o mérito. Muitos dos
‘governantes’ – nos vários níveis e instâncias – mais parecem correias de
transmissão e paus-mandados, onde só vinga quem melhor adula, onde só ascenda
ao posto superior quem mais engana e mente, quem, afinal, nivela o chegar pela
amarra do partir.
Porque
será que em tantas das autarquias estamos a atingir a fasquia da governança do
rotulado fascismo? Não haverá nessas terras gente melhor do que os da mesma cor,
quarenta e tantos anos depois? Isso será democracia dinástica com direito a
sucessão, sem interferência nem alternância?
= O
milagre português começou com a lenda de Ourique, as loas de Aljubarrota, as
ruturas anti-hispânicas… com horizontes e não com esses antolhos seguidistas.
Portugal merece melhor!
António Sílvio Couto
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