Depois daquele bacoco, inócuo e utópico desejo –
‘vai ficar tudo bem’ – começamos a dar passos titubeantes para aprendermos a
lidar com isso a que começam a chamar de ‘novo normal’…
Ao eufemismo idílico de que o ‘arco-íris’ nos
guiaria, temos de saber como vai ser a nossa vida: onde o que era, acabou e em
que aquilo que tínhamos por adquirido não mais voltará. O nosso existir não se
constrói com rosinhas e abracinhos, mas edifica-se com pessoas capazes de
trilharem a senda da mudança, seja ela mais ou menos radical, numa simbiose
entre a virtude (de ‘vir, viris’, força, homem) e a capacidade de saber
interpretar as coisas sem laivos de preconceitos…baratos e/ou de circunstância.
Desde logo será preciso saber o que é isso de
‘normal’, pois, a simples condição de cada um ‘sair’ ou de ‘estar em casa’
modificou-se radicalmente. Estamos numa nova configuração de vida, em que tudo
deixou de ser como era. Por breves – ou poderão ser ainda mais longos –
instantes estamos em suspenso. A liberdade não é mais – nem teoricamente nunca
foi – fazer aquilo que se quer para passar a conjugar-se com a determinação de
atender àquilo que é melhor para os outros, incluindo para o próprio.
Palavras como ‘confinamento’, ‘vírus’, ‘pandemia’,
‘emergência’ ou ‘calamidade’… Gestos e sinais como restrições à saída do
concelho de residência ou à mobilidade mínima…Notícias constantes e absorventes
sobre a evolução da crise… Tudo isto veio modificar o nosso dia-a-dia há cerca
de dois meses e deixará rasto por longos e largos tempos, alguns conjeturam que
será por anos.
= Como se vai repercutir este ‘novo normal’ na vida
de cada um de nós? Que teremos de corrigir para que haja mudança mais
estrutural do que conjuntural? Estaremos disponíveis para prescindir de tanta
coisa que achávamos imprescindível? Não seremos tolhidos na mente pelo
condicionamento nos movimentos? As empresas – maiores, médias ou pequenas –
terão meios para continuaremos a sobreviver aos abalos que sofreram por estes dias?
Estas e tantas outras questões poderemos colocar de
modo a sabermo-nos posicionar neste novo xadrez de vida, onde temos de saber
estar mais em atenção aos outros do que aos nossos (egoístas) interesses. Em
muito daquilo que antes nos ocupávamos estava como que a tentativa de
satisfazer algo que nos levou a acumular regalias e direitos, benfeitorias a
qualquer preço e que, bem depressa, ruíram neste contexto de modificação do
modo de ser e de estar, relativizando tudo e o resto.
Vemos, cada vez mais, crescer – assim o cremos e o
desejamos – o respeito pelas pessoas, se bem que muitas não passem de números
de infetados, de potenciais doentes, de portadores do vírus ou até de vítimas –
contadas às centenas e aos milhares – deste surto silencioso, incolor e sem
rosto, mas atroz nos seus efeitos.
Na contingência posta a nu podemos ver quanta coisa,
afinal, se esboroa em poucos momentos. Quantos projetos se desvanecem por entre
tantas incertezas de quem será a próxima vítima. Quantas prosápias de gente sem
inteligência e lenta em compreender se apagam num ápice e sem quase deixar
memória.
Vemos proliferar valas comuns em tantos países, tal
a avalanche de falecidos. Sentimos a dor do luto não-feito em tantas famílias
apanhadas no turbilhão deste fenómeno. Consideramos de uma tristeza marcante
quem não alimenta qualquer esperança.
= Está na hora de aprender este ‘novo normal’ do
qual ninguém tem lições a dar, pois tudo é novidade no conteúdo e na forma. Com
humildade deixemo-nos ensinar, partilhando o que vamos descobrindo às
apalpadelas…psicológicas e espirituais.
Não, não vai ficar tudo bem…
António Sílvio Couto
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