‘
Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, a
fim de ser tentado pelo diabo’.
É com
estas palavras de Mt 4,1 que começamos a caminhada (dominical) da Quaresma,
contemplando Jesus a ‘ser tentado’ na sua condição humana/terrena.
Na
abordagem deste tema recorremos ao significativo livro do papa emérito Bento
XVI/Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré (JN),
numa edição de 2007, feita em Portugal, pela editora ‘esfera dos livros’,
indicando as páginas.
«Contam os evangelhos sinóticos, para nossa
surpresa, que a primeira disposição do Espírito O impele para o deserto ‘a fim
de ser tentado pelo demónio’. A ação é precedida pelo recolhimento, e este é
necessariamente também uma luta interior em prol da sua missão, uma luta contra
as deturpações da mesma que se apresentam como suas verdadeiras realizações. É
uma descida aos perigos que ameaçam o homem, porque só assim o homem caído pode
ser levantado» (JN 56).
É
diante desta profunda e altíssima experiência de Jesus, na sua condição de
tentado segundo a carne, que vamos sugerir um breve itinerário de vivência
quaresmal, cujo mote principal é dado pelas tentações de Jesus…do deserto até à
cruz. Efetivamente, Jesus vive na condução do Espírito Santo, esse que O ungiu
como Cristo/Messias, desde o batismo ministrado por João…até ao derramamento
último, quando expira na Cruz.
= Deserto: lugar ou atitude?
«O deserto – imagem oposta do jardim –
torna-se o lugar da reconciliação e da salvação» (JN 57), onde cada um dos
elementos – as feras e os anjos – têm significado da nova criação iniciada com
Jesus e por Jesus. Não deixa, por isso, de ser essencial perceber que o tempo
de Quaresma – a que está aliado o número 40 (JN 59-60) – é esse tempo de
deserto pela qual temos de passar rumo à Pascoa, tal como o viveram Moisés e
Elias, antes de iniciarem o seu ministério, assim como os quarenta anos de
peregrinação pelo deserto do povo de Israel para chegar à Terra prometida.
Um
tanto à semelhança das nossas raízes mais profundas, presentes nestes exemplos
vetero-testamentários, assim a caminhada quaresmal nos pode e deve levar a
viver em atitude de deserto, isto é, de escuta e de oração, de atenção e de
humildade, de abertura e de comunhão, fazendo deserto no mundo, concretamente
na nossa casa, no trabalho diário, na vida em família, nos locais de diversão
ou de compromisso social e político…até mesmo na Igreja. Efetivamente será ao
criarmos condições para viver em deserto que as tentações se manifestarão com
maior agravo – cf. JN 61-78 – se bem que a vitória será conseguida pela fidelidade
ao Espírito Santo em cada um de nós e na Igreja.
= Como fazer deserto na cidade?
O
título de um livro com mais de quatro décadas – Carlos Carreto, ‘Deserto na
cidade’ (1978) – poderá servir-nos de mote para que, na Quaresma deste ano,
sigamos rumo à Pascoa: ‘cruz – árvore da vida’.
Podemos
servir-nos das letras da palavra ‘Cristo’ e lançamos pistas de caminhada em
cada semana:
Caminho
em vivência de tentação (Mt 4,1-11);
Renúncia
enquanto recurso de penitência e de acolhimento da palavra de Deus (Mt 17,1-9);
Itinerário
de abertura a Deus, como a samaritana (Jo 4,4-42);
Salvação
à luz de Deus, no reconhecimento de Jesus como o cego (Jo 9, 1-41);
Tocados
pelo poder de Deus, ajudados pela vivência de Lázaro (Jo 11,1-45);
Oblação
de eterna eucaristia…em mistério pascal (Mt 26,14-27,66).
Pela
composição dinâmica e progressiva da palavra ‘Cristo’ poderemos, semanalmente,
ir crescendo na abertura à Palavra de Deus, numa contínua refontalização do
batismo, que há de ser renovado – pessoal e comunitariamente – na grande
liturgia da vigília pascal.
Que o
Espírito o Senhor nos guie e conduza, preparando a Páscoa e vivendo a dinâmica
que dela emerge até à plenitude do Pentecostes.
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário