Há dias conversava com um padre africano e chegamos
à triste conclusão que muitos dos nossos problemas, na Europa e por especial
incidência em Portugal, são próprios e típicos de uma sociedade velha e envelhecida,
podre embora pretensamente rica, vazia de valores à mistura com questões de
quem se entretém com o secundário em vez de atender ao essencial.
A questão da eutanásia como que consubstancia estas
diversas ramificações e os tentáculos mais complexos…deixando pouco espaço para
percebermos que somos guiados por outros interesses que não sejam ideológicos e
quase maquiavélicos.
Enquanto noutras partes do mundo se tomam medidas
para controlar a natalidade – nalguns casos através da laqueação não autorizada
ou da vasectomia invasiva – aqui entretemo-nos a discutir quando se pode
retirar a vida com ou sem consentimento da família. Quando em tantos lugares da
Terra se tenta salvar vidas, correndo os maiores riscos daqueles que intervém,
por cá fazem-se discussões e projetam-se leis para permitir matar a pedido ou
sem autorização. Quando se tenta sobrepor o individual ao mais correto da
convivência interpessoal, não estaremos a entrar em colapso cultural, escavando
a sepultura de todos? Quando vemos a interferência da legislação no campo da
consciência e da ética, não estaremos a estatizar tudo e todos, submetendo-os
aos interesses de maiorias nem sempre lícitas?
= Já dizia Nicolau Maquiavel no seu célebre livro: O príncipe – ‘não se pode chamar de
valor assassinar os seus cidadãos, trair os seus amigos, faltar à palavra dada,
ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um
império, mas não à glória’.
Efetivamente, muitos daqueles que nos governam
precisariam de umas lições mínimas para serem capazes de perceberem que, por
muito que tentem disfarçar, não conseguem esconder quais os objetivos que os
movem e que, muitas das vezes, são demasiado pouco subterrâneos para não serem
percetíveis nas propostas que levam a serem votadas no lugar da aprovação das
leis. Neste caso da discussão trazida outra vez para o público da eutanásia
percebe-se que será um novo fait-divers para esconder os problemas de não
entendimento em matérias laborais, após o congresso da central pró-comunista e
numa quase antecipação do carnaval, cujos eflúvios já se notam… Não basta
parecer, se não se é!
Claramente se vê que isso não é sério nem se pode
ser levado com seriedade, pois não passa pela cabeça de ninguém que se autorize
a matar – pasme-se mais uma vez o eufemismo de ‘despenalização da morte
medicamente assistida’ – como se um médico possa prestar-se para matar, quando
a sua função é, digna e altamente, salvar vidas. Não brinquemos com as palavras
para que estas possam ainda tomadas como forma de comunicação entre os humanos…
= Por entre tantas posições – a favor ou contra a
eutanásia – é digna de reflexão a recente da Conferência Episcopal Portuguesa.
O comunicado do conselho permanente diz: «Queridos profissionais da saúde: qualquer
intervenção de diagnóstico, de prevenção, de terapêutica, de investigação, de
tratamento e de reabilitação há de ter por objetivo a pessoa doente, onde o
substantivo “pessoa” venha sempre antes do adjetivo “doente”. Por isso, a vossa
ação tenha em vista constantemente a dignidade e a vida da pessoa, sem qualquer
cedência a atos como a eutanásia, o suicídio assistido ou a supressão da vida,
mesmo se o estado da doença for irreversível». A opção mais digna
contra a eutanásia está nos cuidados paliativos como compromisso de
proximidade, respeito e cuidado da vida humana até ao seu fim natural».
Esta proclamação poderá parecer uma espécie de
atitude de ‘bombeiro’ a tentar apagar um fogo já a lavrar em incêndio sem
controlo. Talvez devêssemos ter tido uma ação mais preventiva sobre o tema e
não de conjuntura meramente reativa como nesta em que estamos. Não soubemos
colher as lições – mesmo de mobilização, de esclarecimento e de dinamização –
na década em que foi discutido e votado o tema do aborto. Se a vida não se
referenda, e bem; então, não se peça nunca o estratagema do referendo. Se não
conseguimos apresentar a vida como valor essencial e transcendente, então de
pouco adiantam estes recursos…quase dilatórios. Até quando andaremos a
manquejar entre a verdade e os feitiços da mentira?
António Sílvio Couto
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