Numa espécie de anacronismo histórico-cultural temos
vindo a assistir à discussão/ideologização das questões no nosso país. Quando,
em tantos países da Europa, surgem novas formas de agrupação ideológica, por cá
radicalizam-se as matérias em torno de ‘direita’ e de ‘esquerda’, fazendo crer
que esta defende o que é de todos, estatalmente, e que aquela acentua a
vertente do privado com os possíveis interesses maquiavélicos que lhe podem
estar adstritos…
Pior é que declarar-se – ou ser apelidado – de uma
ou de outra das partes faz-nos recuar aos tristemente célebres momentos do
‘prec’ – processo revolucionário em curso, dos anos setenta do século passado. Com
efeito, temas como os transportes, a educação, a saúde, o trabalho/segurança
social, reformas ou ainda a justiça/corrupção… estão presentes na vida do
dia-a-dia e fala-se tanto e resolve-se tão pouco… A crise dos sindicatos – que
talvez seja do sindicalismo em mudança – veio ainda acentuar a confusão, pois,
alguns dos ‘senhores’ nessas matérias parecem ter sido ultrapassados pelas
circunstâncias com as mais recentes tecnologias a baralharem o que se pensa e
quanto se faz ou pretende fazer.
Muitos/as do que se perfilam de ‘esquerda’ já não
beberam na literatura marxista nem andaram envolvidos em lutas no terreno, mas
antes são resultado das tricas de gabinete mais ou menos decorado com
simbologias de antanho, mas onde as figuras marcantes foram escondidas porque,
entretanto, banidas noutras latitudes.
Na mais jovem disputa eleitoral vimos que certos
arquétipos de propaganda estão falidos – arruadas, visitas às feiras, comícios
(nunca em espaço livre), sessões de esclarecimento, debates (com os televisivos
sendo tolerados, mas nem sempre levados a sério)… as máquinas partidárias já
não são o que eram, mas têm vindo a ser antes instâncias de recrutamento para
emprego e de lavagem de interesses, senão mesmo de dinheiro…
= A nomenclatura de ‘esquerda’ e de ‘direita’ tem
vindo a sofrer a erosão própria de quem não tem sabido interpretar os tempos.
Em matérias sociais e ambientais temos estado a fugir de tomar as questões como
fundamentais e urgentes: vai-se atirando dinheiro para camuflar os temas como o
emprego (direito ou dever), as temáticas das reformas no futuro, iludindo o
presente com benesses de cêntimos, assobiando para o lado sobre quem paga o quê
a quem, quando e como…
O Estado passou a poder ser visto como uma espécie
de ‘pai-natal’ em digressão todo o ano, distribuindo prendas, confetes e
prebendas a quem melhor o adular e souber estar do lado da dita ‘esquerda’
social, cultural e (aparentemente) mais rentável.
Há, no entanto, certos tiques de um novo ‘capitalismo
de estado’, quando se faz da máquina fiscal a controladora dos desvarios ou dos
atrasos no pagamento – veja-se o ‘espetáculo’ recentemente montado à saída de
uma autoestrada, tentando apanhar tudo e todos…como infratores – e com isso se
vai engordando a possibilidade de mais reversões, se ainda houver oportunidade
ou espaço…
= Ao mito da propaganda das ‘contas certas’ – para europeu
ver, apreciar e, sobretudo, elogiar – não se sabe quem vai ser ainda esmifrado
na carga fiscal crescente… embora disfarçada pelos impostos indiretos e tantos outros
adereços ainda não descobertos totalmente nem denunciados.
De facto, a bolsa de pecúlio da tal ‘esquerda’ com
intuitos sociais está ancorada nos impostos cobrados, sobretudo, aos ditos
privados/particulares da ‘direita’, acrescentando outros proveitos e
rendimentos que desaguam da fonte quase-inesgotável da UE. Não deixa de ser
manifestamente risível que os maiores oponentes à integração europeia aufiram
bons ordenados e consigam melhores subsídios na serventia que mais valores
arrecada. Isto é, a ‘esquerda’ que contesta os fundos europeus enriquece com
isso que lhe escalda as mãos e alimenta a conta bancária… Haja moralidade e
digam de que lado estão…
= Não tenhamos dúvida: como o equilíbrio da ‘teoria
dos vasos comunicantes’ ou ainda a clássica figuração da balança de
pratos-iguais teremos de estar atentos à correspondência entre ‘direita’ e
‘esquerda’ sem endeusar nem anatematizar qualquer uma delas, pois uma crescerá
ao sabor da depreciação da outra e vice-versa… o riso de hoje será o choro de
amanhã e mais depressa do que se pensa ou julga!
António Sílvio Couto
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