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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Será esquerda – ‘de todos’ e direita – ‘privado’?


Numa espécie de anacronismo histórico-cultural temos vindo a assistir à discussão/ideologização das questões no nosso país. Quando, em tantos países da Europa, surgem novas formas de agrupação ideológica, por cá radicalizam-se as matérias em torno de ‘direita’ e de ‘esquerda’, fazendo crer que esta defende o que é de todos, estatalmente, e que aquela acentua a vertente do privado com os possíveis interesses maquiavélicos que lhe podem estar adstritos…

Pior é que declarar-se – ou ser apelidado – de uma ou de outra das partes faz-nos recuar aos tristemente célebres momentos do ‘prec’ – processo revolucionário em curso, dos anos setenta do século passado. Com efeito, temas como os transportes, a educação, a saúde, o trabalho/segurança social, reformas ou ainda a justiça/corrupção… estão presentes na vida do dia-a-dia e fala-se tanto e resolve-se tão pouco… A crise dos sindicatos – que talvez seja do sindicalismo em mudança – veio ainda acentuar a confusão, pois, alguns dos ‘senhores’ nessas matérias parecem ter sido ultrapassados pelas circunstâncias com as mais recentes tecnologias a baralharem o que se pensa e quanto se faz ou pretende fazer.

Muitos/as do que se perfilam de ‘esquerda’ já não beberam na literatura marxista nem andaram envolvidos em lutas no terreno, mas antes são resultado das tricas de gabinete mais ou menos decorado com simbologias de antanho, mas onde as figuras marcantes foram escondidas porque, entretanto, banidas noutras latitudes.

Na mais jovem disputa eleitoral vimos que certos arquétipos de propaganda estão falidos – arruadas, visitas às feiras, comícios (nunca em espaço livre), sessões de esclarecimento, debates (com os televisivos sendo tolerados, mas nem sempre levados a sério)… as máquinas partidárias já não são o que eram, mas têm vindo a ser antes instâncias de recrutamento para emprego e de lavagem de interesses, senão mesmo de dinheiro…
= A nomenclatura de ‘esquerda’ e de ‘direita’ tem vindo a sofrer a erosão própria de quem não tem sabido interpretar os tempos. Em matérias sociais e ambientais temos estado a fugir de tomar as questões como fundamentais e urgentes: vai-se atirando dinheiro para camuflar os temas como o emprego (direito ou dever), as temáticas das reformas no futuro, iludindo o presente com benesses de cêntimos, assobiando para o lado sobre quem paga o quê a quem, quando e como…

O Estado passou a poder ser visto como uma espécie de ‘pai-natal’ em digressão todo o ano, distribuindo prendas, confetes e prebendas a quem melhor o adular e souber estar do lado da dita ‘esquerda’ social, cultural e (aparentemente) mais rentável.

Há, no entanto, certos tiques de um novo ‘capitalismo de estado’, quando se faz da máquina fiscal a controladora dos desvarios ou dos atrasos no pagamento – veja-se o ‘espetáculo’ recentemente montado à saída de uma autoestrada, tentando apanhar tudo e todos…como infratores – e com isso se vai engordando a possibilidade de mais reversões, se ainda houver oportunidade ou espaço… 

= Ao mito da propaganda das ‘contas certas’ – para europeu ver, apreciar e, sobretudo, elogiar – não se sabe quem vai ser ainda esmifrado na carga fiscal crescente… embora disfarçada pelos impostos indiretos e tantos outros adereços ainda não descobertos totalmente nem denunciados.

De facto, a bolsa de pecúlio da tal ‘esquerda’ com intuitos sociais está ancorada nos impostos cobrados, sobretudo, aos ditos privados/particulares da ‘direita’, acrescentando outros proveitos e rendimentos que desaguam da fonte quase-inesgotável da UE. Não deixa de ser manifestamente risível que os maiores oponentes à integração europeia aufiram bons ordenados e consigam melhores subsídios na serventia que mais valores arrecada. Isto é, a ‘esquerda’ que contesta os fundos europeus enriquece com isso que lhe escalda as mãos e alimenta a conta bancária… Haja moralidade e digam de que lado estão… 

= Não tenhamos dúvida: como o equilíbrio da ‘teoria dos vasos comunicantes’ ou ainda a clássica figuração da balança de pratos-iguais teremos de estar atentos à correspondência entre ‘direita’ e ‘esquerda’ sem endeusar nem anatematizar qualquer uma delas, pois uma crescerá ao sabor da depreciação da outra e vice-versa… o riso de hoje será o choro de amanhã e mais depressa do que se pensa ou julga! 

 

António Sílvio Couto


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