= Mas será que o repetido sucesso do ‘banco
alimentar’ é assim um acontecimento que deixe o governo em paz e sob
apaziguamento? Dizer que, quase meio milhão de famílias, recorre aos préstimos
do ‘banco alimentar’ não deveria envergonhar quem se diz fazedor de sucesso e de
boas contas? Para quem se diz avesso ao assistencialismo não se estarão a criar
condições para a exploração em causa própria das debilidades dos mais
desfavorecidos? Porque será que os programas de ‘rsi (rendimento social de
inserção)’, de pagamento de desemprego e outros afins se prolongam tanto no
tempo e não fazem as pessoas caminharem por si mesmas? Não haverá, em muitos
dos programas de ajuda alimentar, uma espécie de menorização dos ajudados e/ou
de sobranceria dos que ajudam? Até quando andaremos a prender os outros pela
boca, quando devíamos fazê-los crescer pela cabeça, através da valorização
educacional e cultural?
= Com quase três décadas de presença em Portugal o
‘banco alimentar contra a fome’ tem sido um razoável balão de sustentação para
milhares de portugueses…tanto na época da crise, como nos dias mais
recentes…apelidados de sucesso pela governança, com tiques de sucesso à mistura,
sobrevoando a diminuição do desemprego e até com a promoção de figurações
menos-pobres… se bem que os números digam que ainda há dois milhões de pessoas
na linha da sobrevivência mínima, isto é, em risco de pobreza ou de exclusão
social.
As pequenas-grandes questões de pobreza vivem ainda
sob o manto do encobrimento, do disfarce, da não-assunção dos riscos e mesmo da
‘pobreza escondida’ com que tantos dos nossos contemporâneos vão adiando a sua
vivência de pessoas com alguma faceta de carência, se não de elementos
materiais, ao menos de componentes psicológicas e até de índole espiritual.
Como escutei, um dia de Alfredo Bruto da Costa a pior desgraça é a ‘reprodução
da pobreza’, tenha ela os tentáculos que possa apresentar…
= Já o disse mais do que uma vez: se retirarem os
pobres do ‘trabalho’ de tanta gente, ficarão sem emprego e talvez sem razão de
ser da sua existência: quem tenta cativar os pobres para as suas causas de
reivindicação, muitos dos sindicalistas – por agora acalmados com certas
políticas de geringonça – que precisam de ter pobres para neles ancorarem as
suas reivindicações, tantos serviços sociais – autárquicos, em regime de
segurança social e até de grupos religiosos/da Igreja – que se vão promovendo à
custa dos que precisam de pedirem favores, comida, roupa ou atenção…
= Quando ao menos duas vezes no ano – no final de
maio e em finais de novembro – o ‘banco alimentar contra a fome’ traz
solicitações de ajuda para a rua, as reações têm tanto de controversas, quanto
de reveladoras do estado cultural em que nos encontramos. O lema da campanha
dos últimos dias foi: ’dar um pouco mais para que falte menos’! Entrar na
lógica da partilha para com os outros nem sempre se coaduna com os nossos
interesses mais mínimos. A ajuda não se pode esgotar na contribuição com algum
género alimentar ou de higiene, pois o quase meio milhão de instituições que
auferem das ajudas não podem reduzir os seus recursos àquilo que é recolhido
dessa forma audaz, voluntária e cíclica.
Muito mal vai um país – ou qualquer outra
instituição – em que os pobres forem usados para a promoção de uma certa política
social, explorando os mais vulneráveis com ‘festas’ de benemerência em vez da
promoção, da execução e do real compromisso pela sua qualidade de vida.
Enquanto vivermos em ritmos de humanização tão
discrepantes continuaremos a ver campanhas do ‘banco alimentar’ onde o
presidente da república se vai promover com minutos de voluntarismo, enquanto o
governo faz festa com as vitórias da subserviência e da manipulação…aqui e na
Europa!
António Sílvio Couto
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