Por estes dias ouviu-se uma razoável lamentação:
muitas das famílias, com a tendência de protegerem os filhos, não os deixam
sair nem de casa, contrastando com o ritual de passearem os cãezinhos cada
manhã ou pela noite.
Estão aqui enunciados dois problemas: por um lado a
cada vez maior tentativa de resguardarem as crianças dos ‘perigos’ a que possam
estar sujeitas e por outro a crescente moda de tornarem os ‘animais de
companhia’ em parceiros de estimação na vida em família…
Na pior das hipóteses temos famílias a viverem a
conduta inversa daquilo que seria razoável: que as crianças não possam ter uma
vida normal, com os riscos que lhe estão associados e de fazerem dos animais a
substituição de alguns afetos (mais ou menos) recalcados.
De facto é preocupante escutar entendidos na matéria
falarem de crianças que são intoxicadas de medicamentos para serem ‘dominadas’
nas diabruras próprias da idade, sendo superprotegidas pelos pais e avós, não
deixando que a criança viva a sua vida normal, fazendo-lhes tudo e o resto, sem
as deixarem ser pessoas agora e no futuro… Bastará passar ao pé de uma escola
em hora de entrada ou de saída e veremos uns tantos adultos a fazerem a figura
de ‘burros de carga’ dos mais novos, que de aliviados correm o perigo de
tornarem quem assim os trata numa espécie de escravos substitutos e de maus
educadores.
= Perante este panorama nada ‘bucólico’ talvez
estejamos a construir uma sociedade fundada mais no medo do que na confiança,
levando os adultos a que os mais novos vivam numa espécie de redoma de proteção
contra o que possa trazer risco, mesmo de minimamente errar. Com uma posição
deste género estaremos a lançar funestas sementes para que ninguém confie em
ninguém, tornando-nos – uma parte, alguns e uma razoável maioria – desconfiados
quanto baste para que os outros possam ser vistos como adversários, senão de
forma direta ao menos na pretensão de interferirem com o nosso ‘mundinho’,
feito de arquétipos, de fantasmas e mesmo de novos adamastores em conduta
social mais ou menos agressiva.
Muita da possível educação, desde casa, está
alicerçada na desconfiança para tudo e com todos, criando nos mais novos a
sensação de que uma onda de maldade perpassa o seu mundo, mais virtual do que
real. Por vezes podem acontecer insinuações e possíveis acusações dos mais
novos sobre os adultos que não passam de efabulações suscitadas pelos medos,
entretanto, semeados na imaginação dos mais novos…
= De pouco adiantará falar às crianças desse tempo
em que se brincava na rua, se faziam jogatanas de futebol à semelhança dos
clubes grandes na disputa das cores nacionais, se podia deixar uma criança
percorrer o caminho da escola sem receios de malfeitores encapuçados...mais
virtuais do que reais, de ir e de voltar sem aflições de serem menos cuidadas,
de poderem dirimir as diferenças (de força, de opinião ou de conquistas) com
lutas sem interferência dos mais velhos protecionistas, de nunca levar para
casa ressentimentos dalgum castigo infligido pelo professor/a… numa palavra: os
arranhões eram medalhas conquistadas com sabor a vitória, mesmo que disfarçadas
de derrotas mais digeridas…
É verdade, esse mundo existiu e não foi inventado
para atrair a atenção dos mais velhos ou dos pedagogos menos bem apetrechados
nas ciências de estudo. Hoje soa quase a criancice toda uma panóplia de
conselhos protecionistas, infantilizantes e com rótulo de infantilizadores: as
crianças precisam de se sujarem a brincar, necessitam de construir o seu mundo
sem lho inventarem, de crescerem na afirmação de quais são as suas apetências
sem precisarem de serem empurradas no escorrega do jardim, já que o quintal está
reduzido a uns centímetros de mísera varanda, disputados ao cão ou ao gato…os
quais podem configurar um irmão não-aceite nem acolhido em família.
= Num futuro próximo precisamos de objetivar quais
são os valores que pretendemos transmitir aos mais novos, sabendo educá-los a
partir do ponto onde estão, rumo a uma meta exequível, equilibrada e capaz de
mobilizar quem se sinta preparado para correr riscos. Cremos estar no hora de
não continuarmos a infantilizar adolescentes e jovens com medos que não passam
de conjeturas dos educadores, pais ou professores…
António Sílvio Couto
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