Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 19 de junho de 2019

Vender pessoas como mercadoria…


Confesso que é uma das coisas que mais me custa ouvir, quando se refere que um jogador de futebol – ou de outro desporto qualquer – ‘foi vendido’ por um valor mais ou menos elevado, tendo em conta as habilidades do artista, a posição no terreno de jogo – um avançado, que rende golos e vitórias, é mais valioso do que um defesa ou do que um guarda-redes – e, sobretudo, as potencialidades (reais, virtuais ou potenciais) no futuro próximo.

Por esta época do ano surgem sempre transferências multimilionárias, envolvendo números verdadeiramente escandalosos perante tantas debilidades humanas, sociais, económicas ou morais. Dizer que um jogador de futebol, com apenas dezanove anos, vai ganhar 800 euros por hora, não é uma afronta a quem nem consegue isso por mês? Ter tal preço, pagarem-lhe tal custo e fazerem negócio de um modo tão provocatório é um atentado ao mais elementar da condição humana, pois tantas pessoas não auferem o mínimo de vida e aqui gasta-se o máximo com apostas suscetíveis de serem imorais e eticamente reprováveis… agora e no futuro. 

= Uma das vertentes mais escabrosas da nossa sociedade é o silêncio cúmplice sobre situações que envolvem tanto dinheiro, pois tentar beliscar o assunto parece uma ofensa a tabus mais ou menos sacralizados. Os negócios do mundo do futebol são desses campos intocáveis que, por envolverem tantos interesses e por confluírem para esta (dita) indústria rios subterrâneos, escondem negociatas, lavagem de dinheiro, subornos, tráfico de pessoas, participação em negócio ilícito, branqueamento de capitais… e muitos mais crimes graves, agravados e agravantes. Se algum destes itens tocasse alguma outra área de atividade humana (económica ou social) estariam sob investigação e talvez fossem a julgamento, mas porque acontecem no âmbito do futebol parece que nada se vê nem investiga, antes se adia o confronto com este submundo cultural que já levou à falência tantas empresas e que criou mais infelizes do que vitoriosos…

Não está aqui subjacente ataque a qualquer mentalidade de clubite, antes vemos que todos, de uma forma ou de outra, se movimentam neste líquido peganhento, que se entranha na mentalidade geral e poucos tentam destoar desta onda mais ou menos envolvente. 

= De entre todas as nuances desta chafurdice do futebol a que mais me repugna é a da compra-e-venda de jogadores: eles são matéria de negócio, vendidos como escravos, segundo os intentos de uma sociedade materialista, onde cada elemento só vale enquanto rende e valoriza, se fizer render ainda mais dinheiro. Pobres seres que entram na engrenagem: tornam-se matéria descartável, se as suas habilidades forem decrescendo e já não renderem o esperado. Quando se pensava que estávamos a evoluir na linha da consciência de que ser pessoas humana não é só mais-valia comercial, vemos que se tem vindo a agravar a comercialização deste tipo de escravatura. Quando se foi retirando dos espetáculos do circo os animais porque podiam não ser tão bem tratados como era desejável, vemos os jogadores da bola – elas também já estão nas lides – serem usados como matéria que vale enquanto rende e faz render ainda mais dinheiro. 

= As massas acríticas de adeptos e de sócios, de simpatizantes e de compradores do produto, continuam a encher os estádios – tal como no declínio do império romano do ocidente – e gritar pelos seus ídolos, que agora jogam pelas suas cores e mais logo podem trocar pela coloração adversária – tornada inimiga por quem manipula – se lhe pagarem mais e os aliciarem com outras regalias e demais benesses.

Desgraçadamente temos vindo a involuir nesta área daquilo que se chegou a considerar como ‘desporto’, pois este em vez de criar harmonia e paz, tem vindo a acirrar o que há de mais animalesco em cada ser humano. Vejam-se as intermináveis discussões televisivas a propósito de nada e de coisa nenhuma, pois se apresentam divergências mais para afastar quem pense pela sua cabeça e não se deixa manipular.

Deixo essa tirada de um treinador ganhador há cerca de um mês: ‘se vocês se unirem e tiverem a força e a exigência que têm com o futebol nos outros aspetos do nosso Portugal, da nossa economia, da nossa saúde, da nossa educação, vamos ser um país melhor’…

O futebol não é tudo na vida!

 

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário