Confesso que é uma das coisas que mais me custa
ouvir, quando se refere que um jogador de futebol – ou de outro desporto
qualquer – ‘foi vendido’ por um valor mais ou menos elevado, tendo em conta as
habilidades do artista, a posição no terreno de jogo – um avançado, que rende
golos e vitórias, é mais valioso do que um defesa ou do que um guarda-redes –
e, sobretudo, as potencialidades (reais, virtuais ou potenciais) no futuro
próximo.
Por esta época do ano surgem sempre transferências
multimilionárias, envolvendo números verdadeiramente escandalosos perante
tantas debilidades humanas, sociais, económicas ou morais. Dizer que um jogador
de futebol, com apenas dezanove anos, vai ganhar 800 euros por hora, não é uma
afronta a quem nem consegue isso por mês? Ter tal preço, pagarem-lhe tal custo
e fazerem negócio de um modo tão provocatório é um atentado ao mais elementar
da condição humana, pois tantas pessoas não auferem o mínimo de vida e aqui
gasta-se o máximo com apostas suscetíveis de serem imorais e eticamente
reprováveis… agora e no futuro.
= Uma das vertentes mais escabrosas da nossa
sociedade é o silêncio cúmplice sobre situações que envolvem tanto dinheiro,
pois tentar beliscar o assunto parece uma ofensa a tabus mais ou menos
sacralizados. Os negócios do mundo do futebol são desses campos intocáveis que,
por envolverem tantos interesses e por confluírem para esta (dita) indústria
rios subterrâneos, escondem negociatas, lavagem de dinheiro, subornos, tráfico
de pessoas, participação em negócio ilícito, branqueamento de capitais… e
muitos mais crimes graves, agravados e agravantes. Se algum destes itens
tocasse alguma outra área de atividade humana (económica ou social) estariam
sob investigação e talvez fossem a julgamento, mas porque acontecem no âmbito
do futebol parece que nada se vê nem investiga, antes se adia o confronto com
este submundo cultural que já levou à falência tantas empresas e que criou mais
infelizes do que vitoriosos…
Não está aqui subjacente ataque a qualquer
mentalidade de clubite, antes vemos que todos, de uma forma ou de outra, se
movimentam neste líquido peganhento, que se entranha na mentalidade geral e
poucos tentam destoar desta onda mais ou menos envolvente.
= De entre todas as nuances desta chafurdice do
futebol a que mais me repugna é a da compra-e-venda de jogadores: eles são
matéria de negócio, vendidos como escravos, segundo os intentos de uma
sociedade materialista, onde cada elemento só vale enquanto rende e valoriza,
se fizer render ainda mais dinheiro. Pobres seres que entram na engrenagem:
tornam-se matéria descartável, se as suas habilidades forem decrescendo e já
não renderem o esperado. Quando se pensava que estávamos a evoluir na linha da
consciência de que ser pessoas humana não é só mais-valia comercial, vemos que
se tem vindo a agravar a comercialização deste tipo de escravatura. Quando se
foi retirando dos espetáculos do circo os animais porque podiam não ser tão bem
tratados como era desejável, vemos os jogadores da bola – elas também já estão
nas lides – serem usados como matéria que vale enquanto rende e faz render
ainda mais dinheiro.
= As massas acríticas de adeptos e de sócios, de
simpatizantes e de compradores do produto, continuam a encher os estádios – tal
como no declínio do império romano do ocidente – e gritar pelos seus ídolos,
que agora jogam pelas suas cores e mais logo podem trocar pela coloração
adversária – tornada inimiga por quem manipula – se lhe pagarem mais e os
aliciarem com outras regalias e demais benesses.
Desgraçadamente temos vindo a involuir nesta área
daquilo que se chegou a considerar como ‘desporto’, pois este em vez de criar
harmonia e paz, tem vindo a acirrar o que há de mais animalesco em cada ser humano.
Vejam-se as intermináveis discussões televisivas a propósito de nada e de coisa
nenhuma, pois se apresentam divergências mais para afastar quem pense pela sua
cabeça e não se deixa manipular.
Deixo essa tirada de um treinador ganhador há cerca
de um mês: ‘se vocês se unirem e tiverem a força e a exigência que têm com o
futebol nos outros aspetos do nosso Portugal, da nossa economia, da nossa
saúde, da nossa educação, vamos ser um país melhor’…
O futebol não é tudo na vida!
António Sílvio Couto
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