Pasme-se: o que temos ouvido e visto, por estes
dias, soa a exercício razoável de ventriloquismo, isto é, figuras
públicas/políticas dizem tudo e o seu contrário com a mesma serenidade com que
se pretende vender o produto que anunciam na ‘feira’ das promoções, retirando
custos e concedendo benesses ao maior número possível e talvez imaginário.
Exemplos: o que se passa na área dos transportes –
promovem-se passes sociais a baixo custo, enquanto são retirados assentos nos
comboios e nos barcos para que haja mais espaço à custa de menor qualidade.
Tenta-se dar mais espaço às questões de saúde, mas
os profissionais (médicos e enfermeiros) não veem crescer a remuneração nem o
reconhecimento… passado, presente e futuro.
A transportadora aérea nacional dá prejuízo, em
relação ao ano transato de cem milhões de euros, e distribuem-se prémios de
milhares por quase duas centenas de ‘dedicados/as’ funcionários/as, sendo
alguns até familiares – coincidência apenas! – de autarcas e outros afins à
governança em maré de quase fim-de-feira…
Pior ainda é ver a voz embargada com que certos
titulares de cargos públicos vem pedir ‘desculpa’ pela incapacidade de melhorar
as condições, quando ainda há dias celebraram as vitórias ‘poucochinhas’, mas
altissonantes em matéria de ganhos e de sonhos…
= Confesso a minha admiração pela arte de
ventriloquismo em que a mesma pessoa faz (ou pode fazer) várias vozes sem nos
apercebermos como o consegue… tal a destreza e a habilidade. No entanto, com a
comunicação de imagem em proximidade – dos nossos dias – o ‘artista’ corre o
risco de ser, inadvertidamente, denunciado e podendo perigar a sua capacidade
de impressionar. Ora, nos tempos mais recentes, parece que isso tem vindo a ser
potenciado com mais artimanha, pois os comunicadores políticos conseguem
enganar ainda melhor com os jogos de câmaras, de artifícios e de registos…dado
que nem sabemos se isso que é dito acontece ‘em direto’ ou, se por ser tão bem
feito, a mensagem já não interessa, mas todos se fixam em quem diz ou faz a
mais singular patranha…convictamente.
Admito que esta nova fase de ventriloquismo nacional
está a superar o espetáculo até agora conseguido. As massas correm atrás do
ventríloquo mor, presas pelas ‘contas certas’ e arregimentadas para uma vitória
que se anuncia muito mais convincente do que as impressões dos melhores tratadores
da bola-no-pé, onde sobressai o nosso melhor e mais premiado jogador. Que essa
voz arrasta, seduz e convence até os mais resistentes, isso é facto. Bastou
colocar um outro ventríloquo a concorrer às eleições europeias e o fascínio foi
cativante. Tal como o ventríloquo artista não mostra os dentes, assim quem foi
colocado a candidato fez o mesmo papel… e foi plebiscitado com grande sucesso,
auspiciando, desde logo, idêntica maré no início do quarto trimestre do ano em
curso…
= Não se julgue que não há idênticos tiques na maior
parte dos campos de atividade social, cultural, desportiva e mesmo religiosa.
Quantas vezes os ventríloquos vão imitando as vozes, não sendo fácil distinguir
entre os originais e as cópias. Quantas vezes se torna difícil perceber que
estamos a ser ludibriados por habilidosos bem preparados para nos levarem a
escolher o que não queríamos. Quantos andam por aí, fazendo-se passar por quem
não são, até se descobrir as malfeitorias (quase) irreversíveis.
De pouco adiantará inventarem ‘polígrafos’ que
detetam mentiras, se estas estão, desde logo fundadas sobre princípios
falaciosos e são avaliadas com critérios falseados. Por agora vamos vivendo ao
sabor de exercícios mais ou menos convencionais de ventríloquos que dão sorte
ao espetáculo. Mas, um dia, se há de perceber que, afinal, esses bonecos
articulados eram mesmo marionetas de um processo bem mais abrangente, mas que
só se descobrirá tarde de mais que o logro tem custos muito altos e teremos de
pagar todos os erros de alguns mais espertos. De facto, custa a crer que, tanto
tempo depois, ainda haja quem conte mais com a sua esperteza e menospreze a
inteligência alheia… Assim, não!
Tentemos ler tanto daquilo que nos acontece, por
agora, dentro deste quadro de ventriloquismo nacional mais básico, ardiloso e
emocional e muito se perceberá em breve!
António Sílvio Couto
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