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sexta-feira, 7 de junho de 2019

Exercícios de ventriloquismo


Pasme-se: o que temos ouvido e visto, por estes dias, soa a exercício razoável de ventriloquismo, isto é, figuras públicas/políticas dizem tudo e o seu contrário com a mesma serenidade com que se pretende vender o produto que anunciam na ‘feira’ das promoções, retirando custos e concedendo benesses ao maior número possível e talvez imaginário. 

Exemplos: o que se passa na área dos transportes – promovem-se passes sociais a baixo custo, enquanto são retirados assentos nos comboios e nos barcos para que haja mais espaço à custa de menor qualidade.

Tenta-se dar mais espaço às questões de saúde, mas os profissionais (médicos e enfermeiros) não veem crescer a remuneração nem o reconhecimento… passado, presente e futuro.

A transportadora aérea nacional dá prejuízo, em relação ao ano transato de cem milhões de euros, e distribuem-se prémios de milhares por quase duas centenas de ‘dedicados/as’ funcionários/as, sendo alguns até familiares – coincidência apenas! – de autarcas e outros afins à governança em maré de quase fim-de-feira…

Pior ainda é ver a voz embargada com que certos titulares de cargos públicos vem pedir ‘desculpa’ pela incapacidade de melhorar as condições, quando ainda há dias celebraram as vitórias ‘poucochinhas’, mas altissonantes em matéria de ganhos e de sonhos… 

= Confesso a minha admiração pela arte de ventriloquismo em que a mesma pessoa faz (ou pode fazer) várias vozes sem nos apercebermos como o consegue… tal a destreza e a habilidade. No entanto, com a comunicação de imagem em proximidade – dos nossos dias – o ‘artista’ corre o risco de ser, inadvertidamente, denunciado e podendo perigar a sua capacidade de impressionar. Ora, nos tempos mais recentes, parece que isso tem vindo a ser potenciado com mais artimanha, pois os comunicadores políticos conseguem enganar ainda melhor com os jogos de câmaras, de artifícios e de registos…dado que nem sabemos se isso que é dito acontece ‘em direto’ ou, se por ser tão bem feito, a mensagem já não interessa, mas todos se fixam em quem diz ou faz a mais singular patranha…convictamente.

Admito que esta nova fase de ventriloquismo nacional está a superar o espetáculo até agora conseguido. As massas correm atrás do ventríloquo mor, presas pelas ‘contas certas’ e arregimentadas para uma vitória que se anuncia muito mais convincente do que as impressões dos melhores tratadores da bola-no-pé, onde sobressai o nosso melhor e mais premiado jogador. Que essa voz arrasta, seduz e convence até os mais resistentes, isso é facto. Bastou colocar um outro ventríloquo a concorrer às eleições europeias e o fascínio foi cativante. Tal como o ventríloquo artista não mostra os dentes, assim quem foi colocado a candidato fez o mesmo papel… e foi plebiscitado com grande sucesso, auspiciando, desde logo, idêntica maré no início do quarto trimestre do ano em curso… 

= Não se julgue que não há idênticos tiques na maior parte dos campos de atividade social, cultural, desportiva e mesmo religiosa. Quantas vezes os ventríloquos vão imitando as vozes, não sendo fácil distinguir entre os originais e as cópias. Quantas vezes se torna difícil perceber que estamos a ser ludibriados por habilidosos bem preparados para nos levarem a escolher o que não queríamos. Quantos andam por aí, fazendo-se passar por quem não são, até se descobrir as malfeitorias (quase) irreversíveis.

De pouco adiantará inventarem ‘polígrafos’ que detetam mentiras, se estas estão, desde logo fundadas sobre princípios falaciosos e são avaliadas com critérios falseados. Por agora vamos vivendo ao sabor de exercícios mais ou menos convencionais de ventríloquos que dão sorte ao espetáculo. Mas, um dia, se há de perceber que, afinal, esses bonecos articulados eram mesmo marionetas de um processo bem mais abrangente, mas que só se descobrirá tarde de mais que o logro tem custos muito altos e teremos de pagar todos os erros de alguns mais espertos. De facto, custa a crer que, tanto tempo depois, ainda haja quem conte mais com a sua esperteza e menospreze a inteligência alheia… Assim, não!

Tentemos ler tanto daquilo que nos acontece, por agora, dentro deste quadro de ventriloquismo nacional mais básico, ardiloso e emocional e muito se perceberá em breve!     

 

António Sílvio Couto

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