É um
ponto de denominação mais ou menos comum, vermos alguns dos mais significativos
revolucionários – seja qual for a área, a época ou mesmo qual tenha sido a capacidade
de deixarem consequências – serem filhos da burguesia e/ou da (dita) ‘classe
média’ e que, tendo passado algum tempo das suas façanhas/ousadias, ainda
deixaram a transparecer tiques dessa outra proposta/vida, por entre as
tentativas de se revelarem fora da consonância, que contestam…tácita ou
declaradamente.
Vejamos
alguns testemunhos do passado… para tentarmos entender as posições desses
outros do presente:
- Francisco
de Assis (1182-1226) era filho dum burguês e ele mesmo servidor da categoria
burguesa até à descoberta, mudança e consolidação do ‘seu’ projeto de vida…em
pobreza radical: confrontou-se com a aparência para se demonstrar na verdade!
- De onde
era procedente Inácio de Loiola (1491-1556) para entender a ‘vulgaridade’ de
vida em que andava? Duma expressão social ‘superiorizada’ que o fez desmontar
aquilo que dele pretendiam e, duma perna partida, fez a descoberta que o tornou
um servidor de Deus e da Igreja, cativando tantos outros para a sua companhia…ao
longo dos séculos!
- Karl
Marx (1818-1883), de ascendência judia, era resultado duma mistura entre a
classe média do pai e da aristocracia da mãe, tentando propor visões, leituras
e políticas onde os mais desfavorecidos poderiam ascender a um patamar
superior, tal como apresentaria pela luta de classes…Deambulou pelas franjas
burguesas para concretizar as suas ideias revolucionárias…Muitos deles
apreenderam na espuma aquilo que o fez mergulhar na filosofia dialética… Deixou
vulgares sequazes e uns tantos idílicos continuadores nem sempre tão
perspicazes, mas antes mais oportunistas no revisionismo da filosofia da
história!
- Lenine
(1870-1924) também era procedente duma classe média alta, judeu mesmo pela
parte materna, adquiriu formação universitária em direito. De personalidade
prática conjeturou contra as autoridades, criando ele mesmo uma nova
idealização política: marxismo-leninismo, que tantas vítimas ceifou dentro e
fora da Rússia…no seu tempo e pelos decénios seguintes. Embora haja quem o
contradiga, Lenine aceitou a culto da personalidade, até como forma de unir o
(dito) movimento comunista. Difundiu a ditadura do proletariado (isto é, da
prole), embora não tenha tido filhos…
- Outros
‘românticos’ ou não tanto – porque sanguinários e democratas ditadores – seguiram
as pisadas desta figura marcante do século XX: Mao Tsé-Tung (1893-1976), Fidel
Castro (1926-2016), Ernesto ‘Che’ Guevarra (1928-1967) … à mistura com ‘heróis
e santos’, dentro e fora do contexto católico, que procuraram concretizar na
vida as fés que os motivavam…tais como Martin Luther King (1929-1968), Madre
Teresa de Calcutá (1910-1997), Edith Stein/Santa Teresa Benedita da Cruz (1891-1942),
João Paulo II (1920-2005)…
= É
diante deste largo espetro de figuras – cada um a seu modo e dentro da luz que
tiveram – sabendo passar do seu ‘lugar de conforto’, por vezes, apelidado de
aburguesamento, para o espaço de incómodo pessoal e de luta por ideais, que
hoje sentimos uma enorme falência de projetos humanos, espirituais e mesmo na
dimensão cristã…também ela a viver esta crise de valores, de critérios e de desafios
que tenham por horizonte algo mais do que a reduzida dimensão do próprio
perímetro.
- Quem
não se reveja nas incongruências dos políticos que dizem e não fazem o mínimo
daquilo que propõem…sem nexo de causa a efeito,
- Quem
continue a considerar como exequível o ideal de vida do Evangelho e se
aconchegue à acomodação do pensar pelo agir,
- Quem
ainda acredite que algo de diferente pode ser construído porque se crê na
bondade das pessoas mais do que na sua maledicência ou na desconfiança,
- Quem não
quer desistir só porque uns tantos preferem a simulação ao compromisso…simples
e sincero.
Então,
dizemos que vale a pena ainda ter esperança, mesmo que possa haver falhas,
erros e pecados, pois a mudança não depende dos outros, mas de cada um de nós,
por mais fácil que pareça, embora não se tenha ainda descoberto…Que nunca nos
conformemos por facilidade, mas sempre e só por dinâmica de aceitação da
vontade de Deus, hoje e sempre!
António Sílvio Couto
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