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quinta-feira, 5 de julho de 2018

Requalificar estradas ou valorizar pessoas?


Ouvimos, por estes dias, ser afirmado pelo responsável máximo do governo que não é possível requalificar uma estrada de grande intensidade de trânsito e, ao mesmo tempo, pagar aos funcionários públicos – no caso os professores em protesto e em greves – o tempo de trabalho já realizado…

A requalificação do IP 3 vai custar 134 milhões de euros e estima-se que possa estar concluída em finais de 2022, isto é, daqui a quatro anos e, por isso, a fechar o ciclo da próxima legislatura.

Por seu turno, a reclamação do tempo de serviço, após a congelação dos ordenados significa, no caso dos professores – nove anos, quatro meses e dois dias – teria um custo ao Estado/governo de cerca de 500 milhões de euros por ano…

Ora, é diante desta discrepância de números e de gastos que ouvimos o chefe do executivo dizer que não há dinheiro para fazer as duas coisas, ou ainda tantas outras a que se fizeram criar expetativas de que já não estamos em austeridade e de que há dinheiro para satisfazer as (legítimas e razoáveis) pretensões de setores mais reivindicativos e mobilizados profissional, social e sindicalmente.

Como tem sido noticiado há grupos de classe que se sentem no direito de fazerem valer idêntica pretensão: a descongelação das carreiras – saúde, justiça, forças armadas e de segurança e tantos outros que acreditavam que o tempo do aperto nas contas estatais tinha sido ultrapassado. Agora temos vindo a saber que, afinal, isso não passou duma miragem: as contas estão mais ou menos equilibradas – para UE conhecer, aceitar e engolir – mas falta capacidade de cumprir a ‘palavra dada’ aos suportes da utopia. Sim, trata-se duma utopia – sem lugar, sem valor e sem credibilidade – que está prestes a sair do encanto das suposições. Se os garantes do sonho acordaram que dizer do resto do povo que pensou ser real o que lhe quiseram vender, impingir e ludibriar…   

Sempre temi que as contas que fabricaram andassem enganadas. Sempre me pareceu que não era duma forma tão rápida que saímos do fosso. Sempre me pareceu que não é atirando dinheiro para as mãos do povo que se está a governar bem. Sempre me quis parecer que não se pode distribuir o que não se tem e que mais cedo do que tarde teríamos de pagar a fatura duma certa ilusão, pois o desemprego não diminuiu por haver trabalho, mas por terem sido maquilhados os números com uma emigração mal disfarçada, mesmo que à custa da mentira, da falácia e até da manipulação…bem servida por uma comunicação social bem urdida nos antros da ideologia do faz-de-conta…até ver!

Atendendo às matizes deste assunto poderemos considerar: quanto maior é a ilusão, pior será a convulsão… De facto, tem faltado claramente capacidade de dizer a verdade – sem refúgio nem ancoradouro nas acusações para com os antecessores – e particularmente de viver na sua concretização de ‘palavra dada, é palavra honrada’… Noutros tempos já fomos vivendo em idênticos cenários e só conseguimos perceber o logro quando já era tarde, tendo de pagar a fatura com juros e apertos de cinto… senão todos pelo menos os mais vulneráveis e frágeis da nossa sociedade, que atingem um terço da população que se encontra no limiar ou abaixo da linha (in)aceitável da pobreza… 

= Por estes dias ouvimos ainda um antigo responsável de governo e da presidência invetivar a aposta no investimento nas autoestradas, nos pavilhões gimnodesportivos e nos campos de futebol, precisando, isso sim, de criar condições para que possa haver mais crianças…

Efetivamente, dá a impressão que os nossos governantes perdem um tanto a lucidez enquanto ocupam os lugares de mando, recuperando esse bom senso anos mais tarde, quando já tenham percebido alguns dos ridículos em que se entretiveram e outros afins, quase inúteis na hora da decisão com implicações sobre os demais.

Seria de bom-tom e salutar para o exercício de governação que os responsáveis – seja qual for a instância de exercício – não percam o contacto com a realidade, sabendo quanto custa a vida, quais são os preços dos bens que lhes são servidos à mesa, as contas que têm da fazer para colocar combustível no carro e até das dificuldades que a população normal tem de enfrentar quando vai aviar-se nas compras de semana ou para o mês… Sem esta normalidade corremos o risco de sermos governados por anormais sem-rei-nem-roque…

 

António Sílvio Couto  


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