Ouvimos,
por estes dias, ser afirmado pelo responsável máximo do governo que não é
possível requalificar uma estrada de grande intensidade de trânsito e, ao mesmo
tempo, pagar aos funcionários públicos – no caso os professores em protesto e em
greves – o tempo de trabalho já realizado…
A
requalificação do IP 3 vai custar 134 milhões de euros e estima-se que possa
estar concluída em finais de 2022, isto é, daqui a quatro anos e, por isso, a
fechar o ciclo da próxima legislatura.
Por seu
turno, a reclamação do tempo de serviço, após a congelação dos ordenados significa,
no caso dos professores – nove anos, quatro meses e dois dias – teria um custo
ao Estado/governo de cerca de 500 milhões de euros por ano…
Ora, é
diante desta discrepância de números e de gastos que ouvimos o chefe do
executivo dizer que não há dinheiro para fazer as duas coisas, ou ainda tantas
outras a que se fizeram criar expetativas de que já não estamos em austeridade
e de que há dinheiro para satisfazer as (legítimas e razoáveis) pretensões de
setores mais reivindicativos e mobilizados profissional, social e
sindicalmente.
Como tem
sido noticiado há grupos de classe que se sentem no direito de fazerem valer
idêntica pretensão: a descongelação das carreiras – saúde, justiça, forças
armadas e de segurança e tantos outros que acreditavam que o tempo do aperto
nas contas estatais tinha sido ultrapassado. Agora temos vindo a saber que,
afinal, isso não passou duma miragem: as contas estão mais ou menos
equilibradas – para UE conhecer, aceitar e engolir – mas falta capacidade de
cumprir a ‘palavra dada’ aos suportes da utopia. Sim, trata-se duma utopia –
sem lugar, sem valor e sem credibilidade – que está prestes a sair do encanto
das suposições. Se os garantes do sonho acordaram que dizer do resto do povo
que pensou ser real o que lhe quiseram vender, impingir e ludibriar…
Sempre
temi que as contas que fabricaram andassem enganadas. Sempre me pareceu que não
era duma forma tão rápida que saímos do fosso. Sempre me pareceu que não é
atirando dinheiro para as mãos do povo que se está a governar bem. Sempre me quis
parecer que não se pode distribuir o que não se tem e que mais cedo do que
tarde teríamos de pagar a fatura duma certa ilusão, pois o desemprego não
diminuiu por haver trabalho, mas por terem sido maquilhados os números com uma
emigração mal disfarçada, mesmo que à custa da mentira, da falácia e até da
manipulação…bem servida por uma comunicação social bem urdida nos antros da
ideologia do faz-de-conta…até ver!
Atendendo
às matizes deste assunto poderemos considerar: quanto maior é a ilusão, pior
será a convulsão… De facto, tem faltado claramente capacidade de dizer a
verdade – sem refúgio nem ancoradouro nas acusações para com os antecessores –
e particularmente de viver na sua concretização de ‘palavra dada, é palavra
honrada’… Noutros tempos já fomos vivendo em idênticos cenários e só
conseguimos perceber o logro quando já era tarde, tendo de pagar a fatura com
juros e apertos de cinto… senão todos pelo menos os mais vulneráveis e frágeis
da nossa sociedade, que atingem um terço da população que se encontra no limiar
ou abaixo da linha (in)aceitável da pobreza…
= Por
estes dias ouvimos ainda um antigo responsável de governo e da presidência
invetivar a aposta no investimento nas autoestradas, nos pavilhões
gimnodesportivos e nos campos de futebol, precisando, isso sim, de criar
condições para que possa haver mais crianças…
Efetivamente,
dá a impressão que os nossos governantes perdem um tanto a lucidez enquanto
ocupam os lugares de mando, recuperando esse bom senso anos mais tarde, quando
já tenham percebido alguns dos ridículos em que se entretiveram e outros afins,
quase inúteis na hora da decisão com implicações sobre os demais.
Seria de
bom-tom e salutar para o exercício de governação que os responsáveis – seja
qual for a instância de exercício – não percam o contacto com a realidade,
sabendo quanto custa a vida, quais são os preços dos bens que lhes são servidos
à mesa, as contas que têm da fazer para colocar combustível no carro e até das
dificuldades que a população normal tem de enfrentar quando vai aviar-se nas
compras de semana ou para o mês… Sem esta normalidade corremos o risco de
sermos governados por anormais sem-rei-nem-roque…
António Sílvio Couto
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