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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Ai de vós, quando todos disserem bem de vós


No enunciado do sermão da montanha, Jesus exclamou a terminar: ‘felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam’ (Mt 5,11-12).

Nesta 9.ª bem-aventurança encontramos um grande desafio: ter dignidade e qualidade para ser perseguido por causa de Jesus. Com efeito, se Ele por aquilo que disse e pelo que viveu foi perseguido, que outra condição desejará ter quem pretenda ser seu discípulo, senão esta de viver a perseguição por sua causa…não em razão daquilo que somos, dizemos ou pensamos.

De facto, nos tempos mais recentes parece que vai conquistando adeptos e seguidores um novo ‘ismo’: o unanimismo, isto é, ser capaz de não destoar de nada nem de ninguém, pois é tão unânime que todos aplaudem, uma grande maioria aprecia e uma confortável aceitação está de acordo com o que diz, pensa, escreve, intervém ou mesmo se situa entre muitos e tão díspares opiniões, propostas ou até ideologias.

Algo muito semelhante a este tão prolixo unanimismo percorreu, recentemente, a nomeação dum eclesiástico para uma tarefa, que foi vista como de grande promoção pessoal e quase institucional/nacional. Houve louvores unânimes até entre os diversos grupos parlamentares…onde as várias ideologias se digladiam, onde os mais controversos pontos de vistas são expostos e onde mesmo a luta pela conquista do poder se faz por entre artimanhas e, por vezes, golpes. Como pode, então, alguém ser tão unânime? Que elo liga todos para que ninguém se incomode? Que força aglutina tantos/as que por tão pouco se costumam separar?

Fique claro, desde já, que nada me induz a discordar do valor humano, intelectual ou mesmo social do visado, pelo contrário. Não me deixa em nada acomodado ver que um discípulo de Jesus seja alvo de tanto unanimismo nem sempre salutar ou talvez possa ser questionável…sobretudo se tivermos em conta aquelas palavras extraídas do ‘sermão da montanha’! 

= Eis, por isso, breves questões, que tentaremos, subsequentemente, responder:

* Poderá alguém dizer e viver num certo sentido e no seu contrário?

* Poderá ser possível estar de acordo com todos e querer fazer ponte com o máximo sem atingir o mínimo?

* Como se pode caraterizar alguém que não destoa, nem para com a sua sombra?

* Não fará questão a ninguém ou a muito poucos, que se possa conglomerar tantas forças sem se comprometer, tanto quanto é possível saber, com nenhuma?

Por muito que possa custar a tantos dos mentores e dos difusores de beneplácito tão abrangente, há questões que não podem ser meramente sublimadas pela conjuntura artística, poética e mesmo literária. Com efeito, há campos de intervenção que se tornam incompatíveis com tantos elogios e manifestações de boas vontades, pois não se pode afirmar tudo e quase o seu contrário sem com isso incorrermos no risco de contradição e até mesmo de possível escândalo.

Sabemos de forma teórica e pela vida que não podemos agradar a tudo e a todos. Dizemos isto do quadro dos princípios e não socorrendo-nos do âmbito prático de tantos/as com quem nos temos de relacionar. A expressão por estes dias usada – ‘temos de fazer pontes’ – não pode servir para negligenciarmos o quadro de valores e de intentos éticos. A ponte constrói-se tendo em conta as margens e o rio sobre o qual está construída. A qualidade pontifícia é, antes de tudo, uma condição para perceber os lados que se quer colocar em diálogo, sem nunca fazer da perspetiva de unificação, a subjugação a qualquer das vertentes esperadas para a construção… Saber ‘fazer pontes’ há de ser uma das tarefas primordiais dos cristãos, estejam onde estiverem, desde que se sintam em missão evangelizadora de paz, de bem e de justiça.

Para muitos dos nossos coevos, ser bem conceituado na esfera da sua intervenção parece um bom elogio mais do que um tema de acusação. Com que facilidade se mede a ação dum padre/bispo/leigo pelo não-fazer ondas, desde que isso possa significar não ter problemas de acomodação e até de serviço de conluio com tantos dos manipuladores das mentes e das vontades… assumidos ou presumidos.

Será que dizem bem de nós por não incomodarmos ou por sermos pessoas que se guiam pelo Evangelho?       

 

António Sílvio Couto


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