No
enunciado do sermão da montanha, Jesus exclamou a terminar: ‘felizes sereis, quando vos insultarem e
perseguirem e, mentindo disserem todo o género de calúnias contra vós, por
minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque será grande a vossa recompensa no
Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam’ (Mt
5,11-12).
Nesta
9.ª bem-aventurança encontramos um grande desafio: ter dignidade e qualidade
para ser perseguido por causa de Jesus. Com efeito, se Ele por aquilo que disse
e pelo que viveu foi perseguido, que outra condição desejará ter quem pretenda
ser seu discípulo, senão esta de viver a perseguição por sua causa…não em razão
daquilo que somos, dizemos ou pensamos.
De
facto, nos tempos mais recentes parece que vai conquistando adeptos e
seguidores um novo ‘ismo’: o unanimismo,
isto é, ser capaz de não destoar de nada nem de ninguém, pois é tão unânime que
todos aplaudem, uma grande maioria aprecia e uma confortável aceitação está de
acordo com o que diz, pensa, escreve, intervém ou mesmo se situa entre muitos e
tão díspares opiniões, propostas ou até ideologias.
Algo
muito semelhante a este tão prolixo unanimismo percorreu, recentemente, a
nomeação dum eclesiástico para uma tarefa, que foi vista como de grande
promoção pessoal e quase institucional/nacional. Houve louvores unânimes até
entre os diversos grupos parlamentares…onde as várias ideologias se digladiam,
onde os mais controversos pontos de vistas são expostos e onde mesmo a luta pela
conquista do poder se faz por entre artimanhas e, por vezes, golpes. Como pode,
então, alguém ser tão unânime? Que elo liga todos para que ninguém se incomode?
Que força aglutina tantos/as que por tão pouco se costumam separar?
Fique
claro, desde já, que nada me induz a discordar do valor humano, intelectual ou
mesmo social do visado, pelo contrário. Não me deixa em nada acomodado ver que
um discípulo de Jesus seja alvo de tanto unanimismo nem sempre salutar ou
talvez possa ser questionável…sobretudo se tivermos em conta aquelas palavras
extraídas do ‘sermão da montanha’!
= Eis,
por isso, breves questões, que tentaremos, subsequentemente, responder:
* Poderá
alguém dizer e viver num certo sentido e no seu contrário?
* Poderá
ser possível estar de acordo com todos e querer fazer ponte com o máximo sem
atingir o mínimo?
* Como
se pode caraterizar alguém que não destoa, nem para com a sua sombra?
* Não
fará questão a ninguém ou a muito poucos, que se possa conglomerar tantas
forças sem se comprometer, tanto quanto é possível saber, com nenhuma?
Por
muito que possa custar a tantos dos mentores e dos difusores de beneplácito tão
abrangente, há questões que não podem ser meramente sublimadas pela conjuntura
artística, poética e mesmo literária. Com efeito, há campos de intervenção que
se tornam incompatíveis com tantos elogios e manifestações de boas vontades,
pois não se pode afirmar tudo e quase o seu contrário sem com isso incorrermos
no risco de contradição e até mesmo de possível escândalo.
Sabemos
de forma teórica e pela vida que não podemos agradar a tudo e a todos. Dizemos
isto do quadro dos princípios e não socorrendo-nos do âmbito prático de tantos/as
com quem nos temos de relacionar. A expressão por estes dias usada – ‘temos de
fazer pontes’ – não pode servir para negligenciarmos o quadro de valores e de
intentos éticos. A ponte constrói-se tendo em conta as margens e o rio sobre o
qual está construída. A qualidade pontifícia é, antes de tudo, uma condição
para perceber os lados que se quer colocar em diálogo, sem nunca fazer da
perspetiva de unificação, a subjugação a qualquer das vertentes esperadas para
a construção… Saber ‘fazer pontes’ há de ser uma das tarefas primordiais dos
cristãos, estejam onde estiverem, desde que se sintam em missão evangelizadora
de paz, de bem e de justiça.
Para
muitos dos nossos coevos, ser bem conceituado na esfera da sua intervenção
parece um bom elogio mais do que um tema de acusação. Com que facilidade se
mede a ação dum padre/bispo/leigo pelo não-fazer ondas, desde que isso possa
significar não ter problemas de acomodação e até de serviço de conluio com
tantos dos manipuladores das mentes e das vontades… assumidos ou presumidos.
Será que
dizem bem de nós por não incomodarmos ou por sermos pessoas que se guiam pelo
Evangelho?
António
Sílvio Couto
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