Será
preciso aprender a ler com olhos de seriedade alguns dos fenómenos da cultura
popular – neste momento dizemo-lo na versão nortenha/minhota – manifestada nas
festas e romarias, que se vão vivendo com abundância na época do verão.
- Desde
logo o cumprimento da tradição, sendo esta vista mais como meio de
desenvolvimento do que como resquício atávico, imobilista e conservador. Ousar
fazer uma festa com meios económicos suficientes exige a quem promove a festa
uma capacidade de invenção e de ousadia, que faz dos festeiros ou elementos das
comissões pessoas com o mínimo de imaginação e de criatividade para captar para
o projeto quem possa não acreditar nele tanto quanto seria desejável…
- Outro
aspeto a ter na devida conta é a escolha dos ingredientes musicais a incluir no
programa, pois deles dependerá também a participação de outros concidadãos com
maior ou menor interesse e na abertura dos cordões à bolsa…Os melhores do
cançonetismo nacional são os mais desejados, embora haja custos – mal
calculados e exorbitantes – que podem significar a possibilidade de hipotecar os
recursos posteriores…Os atrativos da festa podem fazer dela uma grande, média
ou ridícula realização… popular e/ou populista.
- Na
esmagadora maioria das festas encontramos um santo, uma santa ou alguma
invocação mariana ou mesmo cristológica a dar suporte religioso a esse tempo
festivo. Tempos houve em que a ‘guerra’ entre os promotores das festas e as
autoridades eclesiásticas não era pacífica e, em muitos casos, menos civilizada
(na forma e no conteúdo), pois uns e outros consideravam que os do outro lado
tinham de se submeter às suas orientações, pretensões ou mesmo razões. Embora,
hoje, o assunto não seja tão percetível, temos vindo a assistir a uma crescente
paganização das festas religiosas, senão mesmo iremos num caminho paralelo onde
os atos religiosos – missa e procissão, no essencial – ainda têm lugar, mas com
algum valor residual, tudo dependendo de quem orienta, encaminha ou até é
executor da festividade…Se compararmos os valores financeiros envolvidos na
execução dos atos religiosos e do foguetório gasto, ficaremos a perceber o que
há de essencial ou de secundário num e noutro…dos campos.
Atendendo
às possibilidades que as festas da religiosidade popular apresentam é
fundamental que os responsáveis eclesiais sobre esta matéria tenham na devida
conta as potencialidades que elas permitem: bem organizadas as festas são
importantes momentos de evangelização e de comunicação da mensagem cristã; no entanto,
se menosprezadas podem quase tornar-se ridículas ou mesmo contrassinais…cristãos.
- Por
excelência a noite de pirotecnia é um dos momentos simbólicos de maior
representatividade duma festa popular/religiosa: cor e luz, som e envolvência,
ritmo e musicalidade…esta agora mais cuidada e com novos apetrechos. O
fogo-de-artifício é, cada vez mais, uma etapa cénica, onde cada som e imagem
querem fazer sonhar de olhos abertos…Como seria útil e conveniente descodificar
a comunicação do fogo-de-artifício, dando-nos critérios de leitura para vermos,
lendo e olhando, percebendo.
-
Fixemo-nos por momentos num dos números mais relevantes da
festa/religiosa/cultural: a procissão. Mais do que um aglomerado de pessoas e
de sinais, importa perceber a procissão como um ato cristão de evangelização,
numa sociedade em processo de cristandade profana, isto é, onde os critérios de
valores são cada vez menos ritmados pela simbólica do evangelho. Quantas vezes
os ‘assistentes’ à procissão não conhecem os santos/as que nela ‘desfilam’ e
tão pouco a sua historiografia… Quantas vezes será preciso educar pela positiva
os mais diversos intervenientes no ato cultural/religioso em apreço… Quantas
vezes teremos de usar de pedagogia para que, não sendo entendida a mensagem
apresentada, os espectadores da procissão não se sintam à margem daquilo que se
quer comunicar…
Pela
experiência colhida nesta matéria temos procurado fazer do arranque de cada
procissão um momento explicativo dos vários elementos que a compõem, criando em
quantos for possível uma certa expetativa sobre a procissão, não deixando cair
na rotina e numa certa tradição ignorante e, por consequências, atrevida.
Talvez nos falte, geralmente, algum zelo pastoral para que não caiámos em
situações escusadas e que poderiam ter sido prevenidas.
Não haja
dúvida, as festas – e as procissões em particular – são momentos de arte humana
e cristã. Duvidar disso seria cavar o sepultamento de momentos preferenciais de
evangelização e de cultura. Façamos mais!
António Sílvio Couto
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