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quinta-feira, 19 de julho de 2018

Dimensão artística das festas e romarias


Será preciso aprender a ler com olhos de seriedade alguns dos fenómenos da cultura popular – neste momento dizemo-lo na versão nortenha/minhota – manifestada nas festas e romarias, que se vão vivendo com abundância na época do verão.

- Desde logo o cumprimento da tradição, sendo esta vista mais como meio de desenvolvimento do que como resquício atávico, imobilista e conservador. Ousar fazer uma festa com meios económicos suficientes exige a quem promove a festa uma capacidade de invenção e de ousadia, que faz dos festeiros ou elementos das comissões pessoas com o mínimo de imaginação e de criatividade para captar para o projeto quem possa não acreditar nele tanto quanto seria desejável…

- Outro aspeto a ter na devida conta é a escolha dos ingredientes musicais a incluir no programa, pois deles dependerá também a participação de outros concidadãos com maior ou menor interesse e na abertura dos cordões à bolsa…Os melhores do cançonetismo nacional são os mais desejados, embora haja custos – mal calculados e exorbitantes – que podem significar a possibilidade de hipotecar os recursos posteriores…Os atrativos da festa podem fazer dela uma grande, média ou ridícula realização… popular e/ou populista.

- Na esmagadora maioria das festas encontramos um santo, uma santa ou alguma invocação mariana ou mesmo cristológica a dar suporte religioso a esse tempo festivo. Tempos houve em que a ‘guerra’ entre os promotores das festas e as autoridades eclesiásticas não era pacífica e, em muitos casos, menos civilizada (na forma e no conteúdo), pois uns e outros consideravam que os do outro lado tinham de se submeter às suas orientações, pretensões ou mesmo razões. Embora, hoje, o assunto não seja tão percetível, temos vindo a assistir a uma crescente paganização das festas religiosas, senão mesmo iremos num caminho paralelo onde os atos religiosos – missa e procissão, no essencial – ainda têm lugar, mas com algum valor residual, tudo dependendo de quem orienta, encaminha ou até é executor da festividade…Se compararmos os valores financeiros envolvidos na execução dos atos religiosos e do foguetório gasto, ficaremos a perceber o que há de essencial ou de secundário num e noutro…dos campos.

Atendendo às possibilidades que as festas da religiosidade popular apresentam é fundamental que os responsáveis eclesiais sobre esta matéria tenham na devida conta as potencialidades que elas permitem: bem organizadas as festas são importantes momentos de evangelização e de comunicação da mensagem cristã; no entanto, se menosprezadas podem quase tornar-se ridículas ou mesmo contrassinais…cristãos. 

- Por excelência a noite de pirotecnia é um dos momentos simbólicos de maior representatividade duma festa popular/religiosa: cor e luz, som e envolvência, ritmo e musicalidade…esta agora mais cuidada e com novos apetrechos. O fogo-de-artifício é, cada vez mais, uma etapa cénica, onde cada som e imagem querem fazer sonhar de olhos abertos…Como seria útil e conveniente descodificar a comunicação do fogo-de-artifício, dando-nos critérios de leitura para vermos, lendo e olhando, percebendo.

- Fixemo-nos por momentos num dos números mais relevantes da festa/religiosa/cultural: a procissão. Mais do que um aglomerado de pessoas e de sinais, importa perceber a procissão como um ato cristão de evangelização, numa sociedade em processo de cristandade profana, isto é, onde os critérios de valores são cada vez menos ritmados pela simbólica do evangelho. Quantas vezes os ‘assistentes’ à procissão não conhecem os santos/as que nela ‘desfilam’ e tão pouco a sua historiografia… Quantas vezes será preciso educar pela positiva os mais diversos intervenientes no ato cultural/religioso em apreço… Quantas vezes teremos de usar de pedagogia para que, não sendo entendida a mensagem apresentada, os espectadores da procissão não se sintam à margem daquilo que se quer comunicar…

Pela experiência colhida nesta matéria temos procurado fazer do arranque de cada procissão um momento explicativo dos vários elementos que a compõem, criando em quantos for possível uma certa expetativa sobre a procissão, não deixando cair na rotina e numa certa tradição ignorante e, por consequências, atrevida. Talvez nos falte, geralmente, algum zelo pastoral para que não caiámos em situações escusadas e que poderiam ter sido prevenidas.

Não haja dúvida, as festas – e as procissões em particular – são momentos de arte humana e cristã. Duvidar disso seria cavar o sepultamento de momentos preferenciais de evangelização e de cultura. Façamos mais!

 

António Sílvio Couto


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