Foi
desta forma um tanto paradoxal que me veio à congeminação o modo de ‘definir’
um certo padre de quem ocorre uma data festiva de jubileu.
Num
segundo momento perguntei-me: será isto um elogio ou uma crítica? Servirá esta frase
para dizer bem da pessoa ou para considerar algo mais que só benevolência e
compreensão? Esconderá esta frase algo que poderia ser dito de todos nós ou
comporta algo do mistério do nosso ser sacerdotal? Não teremos todos nós algo
que se parece com bom e não é, à mistura com algo que disfarça o que nem sempre
somos capazes ser para além da impressão – boa, suficiente, medíocre ou má –
que deixamos, inconscientemente, transparecer?
Noutra
perspetiva deixei a mente deambular e dei comigo a fazer uma leitura bem mais
séria da vida e do ministério… das alegrias e das tribulações… das marcas e das
falhas… dos sonhos e das deceções… de tantos padres de ontem, de hoje e (sem
risco de errar em excesso) de amanhã.
= Não
teremos todos – mais velhos ou mais novos, esses (ditos) de meia-idade ou
outros principiantes, sem esquecer os acomodados, os desiludidos, os vencidos,
os resignados e, sobretudo, os que cumpriram a sua missão em condições difíceis
e complexas – um espaço em que vivemos à ‘nossa maneira’, criando cada qual o
seu ‘status’ de realização ministerial em conformidade com a Igreja, amando-a e
servindo-a como fomos capazes? Em tantas das situações de vida houve
circunstâncias em que o padre só foi ‘bom’ porque soube entender-se a si mesmo
e à sua configuração humana, social, religiosa e cultural. Quando isso não
aconteceu houve desencontro entre o ser e o viver, sendo este mais árduo do que
a adequação ao ambiente – geográfico, antropológico, socio/económico, político
ou espiritual – circundante. Há tempos e momentos em que isso é duma atrocidade
enorme: os momentos de mudança, de paróquia, de tarefa, de serviço ou mesmo de
diocese.
= Aquela
frase inicial talvez possa, numa primeira abordagem, aparentemente, colidir com
a mais correta e ortodoxa leitura teológico/eclesial da expressão: ‘sacerdos in
persona Christi’, sacerdote na pessoa de Cristo. Com efeito, ser ‘sacerdote na
pessoa de Cristo’ não é tornar-se uma reprodução de Cristo em pessoa, isso
seria além de impossível algo de inatingível. Por outro lado, ser ‘sacerdote na
pessoa de Cristo’ é deixar-se configurar – como a linguagem das tecnologias
mais recentes permite entender esta palavra – à pessoa de Cristo, fazendo como
Ele os atos de Deus entre os homens. Deste modo, ser ‘bom padre…à sua maneira’
tanto pode ser um desafio de toda uma vida como uma contínua prossecução de ser
como Cristo o rosto de Deus entre os homens. Ora este rosto não se fotocopia
nem é clonável, antes se personaliza em cada um que aceita deixar ser ministro
desse Cristo, o ministro (servidor e sinal) por excelência do Pai…
=
Aproximando-se a celebração litúrgica de São João Maria Baptista Vianney, ‘o
cura de Ars’, no dia 4 de agosto, patrono de todos os párocos do mundo,
deixamos algumas das suas frases efervescentes sobre o ministério sacerdotal,
tendo em conta o contexto do seu tempo, pós-revolução francesa, e o nosso tempo
duma espécie de eclipse do ministério do padre à mistura com certos exageros de
alguns dos eclesiásticos mais ou menos novos…senão na idade ao menos na maturidade:
- Se a Igreja não tivesse o sacramento da ordem, não
teríamos entre nós Jesus Cristo.
- Quem coloca Jesus no sacrário? O padre. Quem acolheu
nossa alma na entrada da vida? O padre. Quem alimenta nossa vida na
peregrinação terrestre? O padre. Quem prepara nossa alma para comparecer diante
de Deus? O padre. É o padre quem dá continuidade a obra da redenção na terra.
- O padre deve estar sempre pronto para responder às
necessidades das almas.
- No lugar onde não há mais o padre não há mais o
sacrifício da missa.
- Deixai uma paróquia sem padre por vinte anos e aí se
adorarão os animais.
- Quando alguém quer destruir a religião, sempre se
começa por atacar e destruir o padre.
= Será que ser ‘bom
padre…à sua maneira’ é um defeito ou um desafio? Como poderemos ter bons
padres, se as famílias e as paróquias falharem como espaços de vida cristã sem
medos nem falsas modéstias?
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário