Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 23 de abril de 2018

Melindres e agradecimentos


Reproduzimos uma conversa ouvida à mesa de café:

- Dá a impressão que estamos perante um povo algo melindrado e um tanto melindroso, que precisa que lhe agradeçam, quando aquilo que se fez não foi mais do que a obrigação ou o cumprimento do dever!

- Sim, uma obrigação profissional, moral e cívica…que deveria honrar quem assim procede…e não estar sempre à espera de reconhecimentos e de palavrinhas de agradecimento! 

Este breve diálogo pode-nos ajudar a refletir sobre vários aspetos duma certa psicologia que vemos desenvolver mais do que seria desejável e quem não se comporta segundo aquelas pretensões parece que não saber estar ou é visto como ingrato ou mesmo sem educação.

 * Antes de mais as duas palavras: ‘melindrado’ e ‘melindroso’.

Sabemos que os melindres podem revelar algo mais do que boa saúde emocional, pois revela uma tendência para se ofender ou para se constranger, numa certa suscetibilidade. Há pessoas que se magoam duma forma tão rápida que amuam e se fecham na sua concha de ofensa, não permitindo que se possa beliscar a sua importância e os seus pontos de honra – como diziam alguns santos, os pundonores – sabe-se lá com que razões e quais os motivos…Quem não terá ouvido já a referência a tais pessoas como se fossem peças de cristal, muito suscetíveis em serem quebradas ao menor descuido…

Melindrado revelaria como que as consequências de um melindroso que se fazer notar, mostrando como se sente despeitado nas suas referências de autoelogio, por vezes, exacerbado e até caprichoso por palavras e atos, sobretudo dos outros para consigo. Por seu turno, no afã de querer mostrar-se para além daquilo que (pretensamente) vale, vai criando à sua volta uma armadura de defesa e de ataque…quantas vezes usando truques de vaidade, de mostrar que é imprescindível e, nalguns casos mais complexos, querendo tornar-se notado pela ausência…como se, sem ele, nada fosse igual!  

* Necessidade do elogio e do agradecimento.

Esta outra vertente revela algo que nem sempre se descobre como o verso da medalha dum melindroso. Só com a aprendizagem dos fatos e o conhecimento das pessoas é que podemos ir entendendo como é que os agradecimentos e os elogios funcionam como tábuas de salvação para pessoas complexadas e ávidas de serem notadas e benquistas…Dir-se-á que uma coisa são os elogios e os agradecimentos sinceros e corretos e, algo bem diferente, é a bajulice, a pretensão de ficar bem e mesmo dalguma mentira e dissimulação. Quem não ouviu já agradecimentos que soam a oco e a falso! Quem não se terá já sentindo incomodado com elogios que mais parecem adulações do que atos sinceros! Quem não terá já percebido que há pessoas que não vivem para servir, mas se servem dos lugares para subir na consideração alheia e social!  

* Cumprir a obrigação e o dever.

De facto, o melhor que nos podem acontecer é termos a consciência do cumprimento do dever – vocacional, profissional, moral e cívico – pois isso realiza quem não busca outra coisa que não seja ser fiel à sua missão neste mundo. Para isso é preciso saber o que se anda por aqui a fazer, tendo descoberto as suas qualidades e os dons, os seus defeitos e erros, fazendo a sua autoanálise e aceitando as observações dos outros. Mais do que fiar-se nas boas impressões que tentamos deixar aos outros, precisaremos de ser autênticos e sérios na convivência de uns com os outros…

Quando tanta gente cuidar mais daquilo que quer que os outros vejam ou apreciem, torna-se urgente e essencial que as pessoas primem pelo cumprimento do dever, nessa concordância da consciência entre o que se pode, o que se deve e mesmo aquilo que se espera de si mesmo e dos outros. De pouco adianta ser exigente para com os outros e tolerante consigo mesmo, pois isso pode denunciar uma deformação farisaica não-assumida. Na medida em que sabemos o que nos custa cumprir o dever, assim seremos mais tolerantes e compreensivos para com os outros… Coerência a quanto obrigas, no tempo e na forma!       

 

António Sílvio Couto


Sem comentários:

Enviar um comentário