Ao longo
da nossa história nacional – de quase novecentos anos – houve épocas de
batalhas e de guerras que foram importantes e essenciais para a nossa
identidade, mas também houve guerras onde, ao termos entrado nelas, quase
marcamos a nossa condição de derrotados…
No
século XX houve dois momentos de ‘guerra’ em que tal faceta foi assaz notória,
senão mesmo cáustica para a nossa ‘personalidade coletiva’. Referimo-nos à
presença lusitana na primeira guerra mundial (1914-1918) e à apelidada ‘guerra
colonial’ (1961-1974) nas antigas províncias ultramarinas, sobretudo, em
Angola, Guiné-Bissau e Moçambique… Em ambas as ‘guerras’, para além de
bastantes mortos, deixamos um rasto de ‘soldado desconhecido’, essa entidade de
quem não se sabe o nome, mas cuja perda se tornou, de muitos e variados modos,
irreparável…e não será com monumentos ou com chamas a crepitar em maré de
homenagem que narcotizaremos a nossa consciência coletiva.
* A
presença dos militares portugueses na I guerra mundial (1914-1918) é um dos
atos mais fatídicos e irracionais do nosso ‘eu coletivo’. Segundo dados dos
meios castrenses houve mais de cinquenta mil homens que integraram o designado
‘corpo expedicionário português’, em França, acrescentando-se ainda mais outros
cinquenta mil para a frente de defesa dos ataques em África aos territórios
coloniais.
Quais as
razões para a participação ‘oferecida’ nesta beligerância, nós, um país
periférico? Três breves razões: deveres para com a aliança britânica, defesa do
território ultramarino e posicionamento internacional após o conflito…
Porque
avançamos para a contenda? Numa tentativa da consolidação da república –
desencadeada anos antes – e cujo principal apoio (ideológico) vinha, sobretudo,
da França…
Qual a
população portuguesa ao tempo da I guerra mundial? Éramos cerca de seis
milhões, vivendo 80% nas zonas rurais, e, desses outros vinte por cento de
citadinos, metade dessa população estava nas cidades (regiões) de Lisboa e do
Porto. De referir que a mobilização para o conflito – europeu ou africano –
trouxe grandes tribulações sociais, económicas e até culturais.
O
momento mais fatídico da I guerra mundial para os militares portugueses deu-se,
em La Lys (na Flandres – região ribeira e lamacenta), a 9 de abril de 1918: sob
ordens dos britânicos, os lusos estimavam serem substituídos nas trincheiras –
esse conceito marcante desta guerra, sobretudo, em França – por esses dias, mas
quatro divisões alemãs atacam os quase ‘desmobilizados’, desmotivados e desgovernados
portugueses…sendo mortos mais de seis centenas e feitos prisioneiros mais de
seis mil…
Decorridos
cem anos não sei se aprendemos a lição, pois continuamos a comportar-nos como
se fossemos capazes de vencer tudo e todos, quando nem nos conseguimos dominar-nos
a nós mesmos. Continuamos a sentir-nos senhores de grandes feitos, empolados aos
nossos olhos, mas que ninguém leva a sério, pois fazemos figura de pretensiosos
sem estofo de heróis…e nem a sublimação de certos dirigentes nos deveria
enganar, ontem como hoje!
* Da
outra ‘guerra’ que perdemos, a ‘colonial’, ainda não foi feito o distanciamento
capaz. Bastará olhar para alguma leitura enviesada com que certos programas
televisivos – alguns pagos com dinheiros estatais – e colocados na boca de historiadores
marxistas-trotskistas, que conseguem dar a sua leitura dialética da história,
quando há muitas outras formas de fazer a história, que não só a deles…
Os
números desta mais uma vez guerra perdida ou mesmo sem sentido: envolveu cento
e cinquenta mil militares do lado português e mais de cinquenta mil
operacionais nas ‘forças de libertação’. Os resultados foram: do lado português
– cerca de nove mil mortos (à média de 630 por ano, o que dá cerca de dois
mortos por dia…nos treze anos de conflito), mais de quinze mil deficientes
físicos e psicológicos; do outro lado – os dados são complexos, pois envolvem
operacionais e populações, podendo atingir mais de cem mil pessoas.
Que
deixámos depois desta guerra inglória e traumatizante, até para as famílias?
Deixámos países ingovernáveis, entregues a ditaduras – até hoje! – seguindo
nexos de causalidade duvidosos, sustidos e sustendo ideologias ultrapassadas no
tempo, na história e na memória!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário