O
pelouro de animação da CM Lisboa comprou trinta mil cartolas (metade por metade
de pretas e vermelhas) plásticas brilhantes, que irão ser oferecidas aos
participantes na passagem d’ano na praça do comércio da capital. O custo destes
adereços será de 57 mil euros… a que serão acrescentados mais 74 mil em
fogo-de- artifício e ainda mais vinte e sete mil nas questões de exibição em vídeo…
tudo a acrescer com IVA… e ainda os concertos musicais com artistas de circunstância,
totalizando 650 mil euros os festejos!
Será
isto gasto ou investimento? Será um assunto para entreter ou para ganhar
turistas?
Se forem
feitas as contas, ainda sem o imposto de valor acrescentado, cada cartola
andará pelos dois euros. Será isto pouca coisa ou, pelo contrário, representa
algo que faz ganhar outro motivo de festa? As apostas nos vários festejos de
final-de-ano serão só gratuitas ou tenderão a tornar o país uma espécie de
festança ingovernável? Não se vislumbra por aí algo de ‘dejà vu’ noutros tempos
e noutras culturas? Não andarão a ludibriar o povo com artefactos de distração,
enquanto se cozinham novos ataques a questões bem mais sérias do que os
festejos populares?
=
Atendendo ao número de cartolas disponibilizadas para o réveillon lisboeta haverá,
certamente, quem não consiga atingir tal adereço. Talvez a expressão do cinema
português – ‘chapéus, há muitos, meu…’ possa ter, novamente, aqui uma aceção
quase adequada… A possível conflitualidade provocada, senão explícita ao menos tácita,
como que poderá fazer cair a máscara de oportunismo com que tantas vezes
lidamos com as sugestões de afazeres gratuitos. Quais serão, então, os
critérios de atribuição dessas tais cartolas? As cores serão só para dar
colorido ou envolvem outros aspetos mais subtis? Como se vão distinguir os que
têm cartola daqueles que desejavam recebê-la? E, se houver outros cartoleiros,
poderão ser admitidos ou ser-lhes-á vedada a entrada?
= Vinda
de quem vem, a iniciativa das 30 mil cartolas para a passagem d’ano insere-se
numa linha despesista tão ao gosto de certas autarquias e de setores conotados
com a governança da geringonça, que se satisfaz em lançar dinheiro para criar
consumo e com isso pretendem fazer crer que o país está melhor, embora não se
vá ao fundo das questões… Nalguns casos confundem – propositadamente – despesas
com investimento, por forma a dar a entender que se investe no (dito) turismo,
quando se estão é a praticar atos que engrossam os gastos e pouco ou nada
trazem à promoção da cidade, da região ou mesmo do país.
Por esta
ocasião é fácil ver os milhares ‘investidos’ em fogo-de-artifício, em
artistas-cantores, em luzes e iluminações, tentando criar a sensação de ilusão
em quem vê e muito mais em quem ganha com tais festanças. A rivalidade entre
povoações emerge como se fosse um bem, quando se tenta antes enganar os que não
conheçam certos bairrismos menos corretos e saudáveis. Esta onda de fascínio
com os dinheiros das autarquias – nalguns casos também andarão envolvidos
dinheiros públicos – voltará quando forem as festividades de cada concelho ou
freguesia, mas, por ocasião da passagem d’ano vê-se todo ao mesmo tempo e em
rivalidade mais acutilante.
= Que
soluções poderemos apontar para esta vaga de novo-riquismo com que vamos
sentindo que o país se entretém? Quem será capaz de não se deixar ir na moda,
sem com isso não-prejudicar a terra onde vive ou onde exerce o poder? Haverá
sentido de responsabilidade para inverter o caminho do atoleiro para onde nos
dirigimos?
Em
certos casos será quase impossível alterar o curso das coisas, pois uma máquina
bem tecida move e faz mover interesses em jogo. Noutras situações seria como
que dar a entender que se estaria a perder a capacidade de iniciativa
‘cultural’. Poderemos encontrar ainda razões mais ou menos justificáveis para
esse despesismo, embora se deva, acima de tudo, viver na verdade e na aceitação
dos meios que se possui.
O povo
precisa de festa, mas talvez dispense que lhe criem ilusões, que terá de pagar
quando menos se der conta. Os responsáveis das autarquias, do governo e de
todos os que têm de exercer autoridade não poderão ser os primeiros confundidos
nos seus critérios e nas linhas por onde fazem os outros ir…
António Sílvio Couto
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