Há
poucos dias foi nomeado o novo arcebispo de Paris, Mons. Michel Aupetit, em
substituição do cardeal André Vingt-Trois, que esteve à testa da igreja
parisiense nos últimos doze anos. A terminar o seu múnus episcopal, este apresentou
ao recém-nomeado os grandes desafios que terá de enfrentar – ele que já foi
bispo auxiliar da capital francesa e agora regressa de Auxerre – a saber: a
passagem dum cristianismo sociológico para um cristianismo de escolha,
arriscando ‘consagrar o essencial das forças da Igreja a fortalecer aqueles que
escolheram’ deixar de esquecer os outros… assegurando a transmissão da fé num
contexto de secularização generalizada.
Segundo
dados do jornal católico francês, Paris tem quinhentos padres para cento e seis
paróquias, com mais de oitenta seminaristas, num modo de formação muito
específico: em pequenas casas…
Filho da
grande diocese parisiense, tal como os seus dois predecessores, Mons. Michel
Aupetit conhece a diocese com mais de dois milhões e duzentos mil de
habitantes, num quadro de um milhão e meio de praticantes, isto é, de 70% de
frequentadores habituais, mas onde os problemas de perda da fé tem vindo a
marcar distância num mundo crescentemente secularizado e bastante laicizado.
= Lucidez para ‘ver-julgar-agir’?
Quem
conheça, minimamente, o pensamento francês saberá que eles pensam razoavelmente
bem, isto é, com lógica progressiva e com tendência clara, mas nem sempre são
capazes de serem bons executantes daquilo que engendram, fazendo com que outros
o levem à prática simples, normal e exequível.
Parece
ser razoável perceber ainda que a cultura francófona tem vindo a perder
estatuto e visibilidade no contexto mundial e europeu. Hoje falar francês é
menos fluente do que há décadas (senão séculos) atrás. Com efeito, a cultura
anglo-saxónica têm-se imposto com maior agressividade e referência, isto é, a
língua de comunicação entre os povos é sobretudo o inglês, mesmo que tenha
algum acento americanizado.
Também
no pensamento eclesial, o francês tem passado a um campo secundário, onde até a
literatura escrita é um tanto residual, seja na quantidade, seja mesmo na
qualidade. A outrora ‘França católica’ tem dado espaço a manifestações mais de
índole muçulmana do que com incidência cristã. Lembro-me de ter lido, em tempos
não muito recuados, que para se falar da ‘quaresma’ naquele país como tempo
religioso de expressão católica de jejum e de oração, alguém teve de se
socorrer da comparação com o ramadão islâmico ou os ouvintes não captariam o
que se pretendia dizer…
= Cristianismo de rotina ou de
rutura?
Deste
modo a observação que motiva esta reflexão/partilha sobre a passagem do
‘cristianismo sociológico’ para um ‘cristianismo de escolha’ atinge alguns dos
fundamentos da nossa condição de cristãos neste tempo, nesta cultura e mesmo
nesta condicionante da história. Efetivamente há sinais que nos devem fazer
refletir sobre o modo como chegamos à progressiva laicização da sociedade,
senão mesmo da Igreja – não reduzimos a sua expressão à dimensão católica –
sobretudo na cultura ocidental, mais de consumo do que de compromisso. Com
efeito, os valores e critérios deste tempo andam mais pela área da satisfação
material do que da exigência moral/ética. As questões de âmbito espiritual como
que têm sido reduzidas ao foro intimista, relegando as expressões de fé para a
conduta do privado. Ora, isto faz parte dum plano de amorfismo mais ou menos consentâneo
com uma espécie de sacralização do Estado e da sua ética (na maior parte dos
casos) republicana, laica e tendencialmente agnóstica. Nesta caminhada parece
que convém que se exaltem certos ritos tradicionais, com outras vivências
exotéricas à mistura, desde que não entrem em confronto com ‘tradições’ ocas e
de verniz social. Como não ver ainda em certos momentos de ‘sacramentos
(pretensamente) sociais’, onde se dá atenção mais à forma do que ao conteúdo?
Como não sentir ainda que certos batizados e casamentos – tendo por cenário a
igreja – não passam de momentos sociológicos sem implicações na vida e na
conduta social cristã?
É
urgente, também no nosso país, que se faça essa passagem do cristianismo
sociológico e de verniz carunchoso para a opção de fé esclarecida, celebrativa
e comprometedora da vida no espaço do mundo!
António Sílvio Couto
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