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segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Bisbilhotice – terrorismo em marcha


‘Alguns podem criticar-me, porque sou repetitivo nisto, mas para mim é fundamental: o inimigo da harmonia numa comunidade religiosa é o espírito de maledicência’ – disse o Papa Francisco numa das suas últimas intervenções por ocasião da visita apostólica ao Bangladesh.

O Papa considerou mesmo que bisbilhotar e falar mal dos outros é como fazer terrorismo, exemplificando: aquele que ‘vai falar mal dos outros não o diz publicamente, tal como o terrorista não o diz publicamente. Aquele que vai falar dos outros fá-lo às escondidas. Atira a bomba e vai-se embora e a bomba destrói tudo e ele vai tranquilamente colocar outras’.

Quem assim fala conhece muito de perto a realidade das nossas ‘comunidades’ (grupos, movimentos, paróquias, dioceses… espaços de convívio social, lugares de trabalho…situações da política ou da comunicação social) e, certamente, sentiu-o no contacto com os outros, senão mesmo terá participado nesse ‘terrorismo’, que é muito mais do que verbal, mas denota essa praga social da má-língua, maledicência, murmuração, calhandrice e tudo o resto que faz com que nos ‘entretenhamos’ substancialmente a falar dos outros…de preferência mal!

Em tempos recuados ouvi, aduzido dum padre numa localidade rural, que dizia nas suas homilias, quando se estava a referir a algum assunto mais delicado (ou não): ‘e eu estou a vê-los’… Isso mesmo se pode agora reportar ao que o Papa Francisco – em vésperas de começarmos o Advento – disse lá no longínquo Oriente. Com efeito, quando se vai conhecendo um lugar onde vivemos e onde podemos ir conhecendo as pessoas e o seu modo de ser, poderemos referir, sem medo de errar, que estamos a ver quem, falando mal dos outros, pratica terrorismo e que não é nem mais ou menos só verbal, pois de muito do que se diz vemos o mau ambiente que cria e como que se difunde, qual veneno infernal em tantos dos nossos espaços… De pouco adianta andarmos a colocar cataplasmas sobre feridas mal curadas, pois a bisbilhotice emerge de pessoas mal resolvidas na sua personalidade e que infetam o ambiente em que se encontram, pois, se estou de mal comigo mesmo, terei a tendência em criar mal-estar à minha volta, espargindo críticas a tudo e a todos, do alto desse meu pedestal julgador e não-julgado.

Quantas vezes se apanha mais depressa uma conversa de maledicência do que uma oportunidade em nos edificarmos falando de algo positivo dos outros, pois de nós mesmos estamos (quase) sempre a fazer verificar que temos razão, mesmo que sejamos os culpados desse terrorismo tão comum e não disfarçado. Será muito útil e benéfico que, neste tempo de preparação para o Natal, sejamos daqueles que estão vigilantes sobre as suas palavras, cuidando em não entramos na má-língua e tão pouco em sermos os iniciadores das conversas que irão dar tais frutos.

Temos de fazer o nosso diagnóstico sincero e exigente, considerando-nos potenciais terroristas, senão no ativo, ao menos na cobardia em contribuirmos para o mau-ambiente de tantos dos nossos espaços de vida, a começar pela família. Com efeito, talvez seja aqui que aprendemos as lições mais básicas, pois, se, na nossa casa, se ‘enterram vivos e desenterram mortos, como não seremos bons aprendizes de maledicência e da confusão de valores sobre a idoneidade alheia… e nem será preciso afirmar, bastará insinuar. Não será preciso ser-se grande especialista em educação para percebermos que as crianças são quem melhor denuncia o ambiente familiar. Com relativa facilidade poderemos penetrar nos meandros da vida familiar se virmos uma criança negativa, distorcendo as palavras que são ditas ou mesmo dando sentido diverso àquilo que foi falado… Isto é muito mais percetível do que parece!

Inverter este clima de terrorismo – como o Papa denunciou – é tarefa de todos, a começar pelos educadores, pais/avós e todos quantos têm a missão de contribuir para que seja criado um mundo mais leal e sincero, mais verdadeiro e honesto, mais respeitador dos outros e de si mesmo…

A fabricação das bombas deste terrorismo pode ser atalhada com atitudes e gestos, palavras e sinais mais simples do que o complexo combate ao terrorismo fundamentalista com que nos temos vindo a entreter. Bastará colocar uma vigia na boca de cada um de nós, numa nova ética onde ‘quando se fale dos outros seja para dizer bem’ ou, então, estar calado…Vamos começar, já?   

 

António Sílvio Couto


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