Para uns
tantos e em certos tempos dá a impressão que se deve enterrar a cabeça na
areia, como a avestruz, e fazer-de-conta que tudo corre bem, só porque a eles
lhes corre – a vida, as façanhas, as tropelias, as conquistas, as vitórias, as
mentiras, os subornos, as cativações, os subsídios, etc. – de feição. Dizemo-lo
abrangendo vários campos da nossa condição coletiva e, nalgumas situações, mais
de índole pessoal e/ou familiar.
– Quando
tantos se insurgem contra a acentuada desmotivação pela política – votante ou
participativa – dá-me a impressão de que, quem serve esta vertente humana e
social, tem andado mais a pensar em si e nos seus do que a tentar perceber por
onde devem caminhar as pretensões dos outros…
Os
tentáculos familiares na vida pública não se reduzem à mera instância
autárquica, mas estendem-se a muitos outros campos de intervenção, sem esquecer
o âmbito do governo central – bastará observar a aglomeração de membros da
mesma família (ou famílias) em parentesco executivo… Embora ainda se não possa
aferir dalgum nepotismo – ‘favorecimento de parentes e amigos próximos em
detrimento de pessoas mais qualificadas’, tendo em conta a nomeação ou elevação
de cargos a exercer – explícito, não andará muito longe a curto e a médio
prazo… tais são as ramificações entre participantes na área governativa!
Por
vezes, as matizações desta doença congénita em muitos regimes autocráticos,
democráticos ou com outro sistema de representatividade vão-se degradando com
estas manifestações mais ou menos conhecidas, divulgadas ou consentidas…
– Quando
vemos surgirem notícias e declarações, que nos fazem pensar sobre quem
influencia quem ou quem se deixa condicionar por quem, poderemos ser levados a
refletir sobre a ‘longa manus’ com que certos senhores/senhoras e afins, quando
ocupam o poder, fazem crer que têm mais do que autoridade, seja pelo exercício,
seja pela bajulação com que se fazem rodear. Por vezes somos levados a
acreditar que, por trás da cortina, se movem interesses nem sempre percetíveis
por todos ou, pelo menos, com sensatez pelos mais desatentos ou crédulos.
Há casos
e acontecimentos que são mais dignos de irrisório do que de complacência, na
medida em que mexem com a honorabilidade da maioria do povo simples e
trabalhador (não meramente operário), que não entra com facilidade nos meandros
de tantas manigâncias, às quais só têm acesso uns tantos iluminados nas
oportunidades, nas conveniências e mesmo nas tropelias… Mais uma vez tem-se a
sensação de que tais ‘bafejados da sorte’ têm mais esperteza do que
inteligência ou, à mistura, com bastante manha e algum poder de influência… até
que tudo se descubra.
– Que
tem, então, o Natal a ver com tudo isto? Porque teremos de não deixar passar à
margem estas coisas que nos podem aborrecer e não deixar ‘ter’ um Natal
pacífico? Valerá a pena andarmos a aborrecer-nos com tais questões, se a maior
parte nem atende minimamente a isso?
Antes de
mais o Natal irmana-nos na fraternidade trazida por Jesus e o que é feito a um
qualquer dos nossos concidadãos atinge-nos a todos. As ofensas à dignidade
alheia também nos fere, nem que seja por fazermos parte desta mesma humanidade
ferida e ofendida.
Pretender
escalonar os diversos cidadãos segundo o seu poder económico – tido, retido ou
desviado – é algo que não foi desejado por Jesus, pois pela sua Encarnação –
ter-se feito homem connosco – temos iguais direitos e idênticos deveres, para
além de que os que mandam ou dirigem não podem fazer-se juízes contra os
outros…até porque um dia podem vir a ser apeados de tal poder e não quererão
ser tratados como tratam os outros quando subalternos. Por vezes a memória é
demasiado curta – senão mesmo seletiva – para com quem foi menosprezado e
ofendido pelos executores do poder. Este é efémero e, quem hoje está por cima –
assim pensa – amanhã estará em lugar secundário e não quererá ser maltratado
como agora faz aos outros!
= O
Natal fraterniza-nos, não nos distingue. O Natal faz-nos solidários, não nos
separa. O Natal cria em nós sentido de pertença, não exclui. O Natal faz-nos
filhos do mesmo Pai, não nos torna enteados nem enjeitados!
António Sílvio Couto
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