A
vivência, por estes dias, da solenidade de Todos-os-Santos e a comemoração dos
Fiéis Defuntos, traz-nos à memória momentos e situações, factos e pessoas,
episódios e recordações para com aqueles que nos precederam na vida e na fé.
Na
oração eucarística primeira (ou Cânone romano) do ordinário da missa rezamos:
‘lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas [N. N], que partiram antes de
nós marcados com o sinal da fé e agora dormem o sono da paz’… e cada um recorda
os nomes da sua lembrança, de quem faz memória ou sobre quem pede sufrágio.
Se há
virtude que talvez ande mais arredada da conduta humana parece ser a da
gratidão, pois, de muitas formas e por vários modos, vemos que o esquecimento é
mais do que atroz, o não-reconhecimento dado a outrem (sobretudo não-vivo) é
preocupante e a superficialidade para com quem temos pontos de dever são mais
do que as ofensas todas juntas num ramalhete floral…barato e insignificante.
Há
coisas que doem mais do que todos os outros achaques. Há esquecimentos que
torturam mais do que qualquer outra forma de empobrecimento moral e cultural.
Há resquícios de ruindade ética que perduram muito para além do tempo e das
suas circunstâncias…
Se já
nem nesta época do ano lembramos quem nos ligam laços de sangue, de amizade ou
mesmo de fé, estaremos a caminhar de forma perigosa para uma sociedade sem
memória e sem história, sem capacidade de admiração e sem ligações afetivas
mínimas, sem vivência dos factos grandiosos e sem que haja futuro dado que o
passado foi renegado…
Se há
quem viva excessivamente em volta do ‘culto dos cemitérios’, há, por seu turno,
quem nunca deles de aproxime, como se com tal atitude conseguissem não terem de
enfrentar tal realidade (ou alguma outra idêntica) de passagem da contingência
embrionária para a declaração da mesma, através duma forma mais ou menos
assumida… O equilíbrio – nisto como em tantas outras coisas da vida – é o
melhor caminho e a forma mais salutar de ser normal e sobrenatural, isto é, de
saber ver o que se vê com olhos, que ultrapassam as aparências, mesmo as mais
funestas.
= Desafios de santidade…contínua
Neste
emaranhado de coisas da nossa vida, podemos e devemos perguntar sobre se há
algum caminho simples (o que nem sempre quererá dizer fácil), exequível e
progressivo desse grande desafio com que somos convidados a viver, esse de
sermos santos. Antes de tudo será útil referir que não está vedado a ninguém e
não há quem possa dele ser excluído só porque não pertence a uma determinada
classe ou setor social, nível religioso ou etário, de instrução ou cultura.
O
caminho da santidade – onde a questão da memória está presente e se torna
essencial – passa pela santificação nas coisas simples do nosso dia-a-dia, isto
é, nas tarefas mais ordinárias – no sentido de normais, vulgares, sem
espalhafato – que compõem o nosso viver: aí onde tudo tem valor e é valorizado,
onde cada pessoa é tida em conta e não é ultrapassada pelo telefonema de
ocasião ou da urgência (quase) inútil, onde cada um se coloca com intensidade
em tudo o que faz (como se possa ser a última vez que o realiza), onde cada
aspeto diário ganha dimensão de eternidade, único e irrepetível…
Assim,
qualquer que seja o esquecimento ou a não-memória torna-se algo de ofensivo,
tanto para com quem não cuidamos, como para com quem não seja atendido pelas
nossas ocupações mais ou menos importantes, mas, por vezes, são tão
insignificantes e dispensáveis, que, um dia, haveremos de nos envergonhar por
não termos dado a necessária atenção a quem precisava do nosso carinho, amizade
e presença.
Pelo
muito que recebemos daqueles que nos antecederam na vida, na história, na
família e mesmo na fé, precisamos de ser gratos para com eles, não deixando
esquecer a sua memória e tudo quanto nos faz ter neles reconhecimento, mérito e
de lhes darmos continuidade…
Quando
podemos viver isto de forma comunitária, os nossos antepassados têm mais
significado e dão-nos força para sermos seus dignos continuadores… Temos heróis
e santos, hoje como ontem!
António Sílvio Couto
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