No
ambiente bíblico – sobretudo judaico – a ausência de chuva era vista (lida,
interpretada ou considerada) como uma espécie de maldição. Isto era quando os
humanos viam nos sinais da natureza outros tantos sinais de Deus! Agora que nos
julgamos sabedores de muito e senhores de quase tudo, até dos segredos da
natureza, corremos o risco de entrar numa visão de possível risibilidade sobre
tais problemas…se neles incluirmos a presença e a ação de Deus.
Vejamos,
no entanto, como o povo de Israel via, sentia e vivia este tema da chuva e,
consequentemente, da água…tão necessária numa região de seca e quase desértica,
que era a Palestina.
As
palavras hebraicas e gregas que querem dizer chuva aparecem mais de cem vezes
na Bíblia. As águas do Céu eram imagem da bênção divina. É sobretudo nos
Salmos, enquanto fonte orante e resultado da oração do povo de Deus, que vemos
forte referência tanto à súplica, como à ação de graças pela chuva… muitas
vezes não esquecendo a vida agrícola e a necessidade da chuva para a
sobrevivência pessoal, familiar e comunitária: Sl 147,7: Ele cobre de nuvens o
céu e para a terra prepara as chuvas, que fazem crescer as ervas nos montes. Sl
68,10: Fizestes cair, ó Deus, a chuva com abundância; restaurastes as forças à
tua herança extenuada.
O
fenómeno da não-chuva foi visto, muitas vezes, pelo povo de Deus como uma
espécie de castigo pela infidelidade a Deus: ‘Se o céu se fechar e não chover
mais, por eles terem pecado contra ti, se orarem neste lugar, prestando glória
ao teu nome e arrependendo-se do seu pecado por causa do teu castigo…
Mostra-lhes o caminho reto que devem seguir, envia chuva à terra que deste como
herança ao teu povo’ (2 Cr 6,26-27).
Na
linguagem do Novo Testamento encontramos a referência à chuva como bênção
divina para todos, indistintamente da sua religião – ‘Ele [Deus Pai] faz com
que o sol se levante sobre bons e maus e faz cair a chuva sobre os justos e os
injustos’ (Mt 5,45). O dom da chuva é ainda interpretado como sinal da
paciência divina, que se repercute no comportamento humano: ‘Sede, pois,
pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o
precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs
e as tardias’ (Tg 5,7).
= Em
certo sentido o fenómeno que temos estado a viver, no nosso país, com a
ausência de chuva talvez não tenha criado, minimamente, nos crentes e nos
descrentes uma leitura dos sinais de Deus nestas condições atmosféricas. A
prova desta (quase) inconsciência coletiva é a ligeireza com que temos andado a
cuidar deste assunto… a começar pelos governantes. Com efeito, de que adianta
falar em seca, se temos normalidade no abastecimento de água. Mesmo duma forma
subtil o problema não se põe, pois ainda não sentimos a falta de produtos
hortícolas, se bem que os paguemos mais caros, e nem tenhamos sentido o
racionamento de água, mesmo que seja ainda um produto barato nas contas de
casa… Até porque outros assuntos nos vão distraindo e – segundo dizem – os
proventos económicos não ofuscam esta questão da ausência de água…
= Quem
conhecer um mínimo da história da humanidade e dos povos saberá quem sempre
houver disputas, conflitos e guerras por causa da água, seja pela sua
conquista, seja pelo seu uso nos vários campos de atividade humana, económica e
cultural.
Segundo
alguns a água é considerada o ‘petróleo do século XXI’, podendo tornar-se cada
vez mais agudo o seu uso correto entre povos, nações e regiões. De facto, a
água deixou de ser, cada vez mais, um recurso inextinguível para se tornar um
bom de conflitualidade no futuro como o foi no passado. Já em meados da década
de noventa do século passado um responsável do banco mundial referia: ‘se as
guerras deste século [XX] foram travadas por causa do petróleo, as do próximo
século serão travadas por causa da água’.
= É
urgente uma reeducação para o correto uso da água, tanto ao nível pessoal como
nas dimensões coletivas e sociais. Como bem essencial que é para a
sobrevivência da humanidade, precisamos de ter sobre este dom divino uma leitura,
um comportamento e uma atitude bem mais séria e sensata. Como utentes da ‘casa
comum’ que é este mundo precisamos de novos deveres comportamentais exigentes e
normais…
António Sílvio Couto
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