As
ramificações da sexta-feira negra (‘black friday’) na nossa vida social,
económica, política e cultural são mais do que muitas. Algumas são um tanto
percetíveis, outras nem por isso e muitas ainda de complicada compreensão.
Qual a
origem e o significado da ‘6.ª feira negra’? No conceito social e económico a
‘black friday’ é uma expressão quem vem sendo usada para designar a quarta
sexta-feira de novembro, ou seja, um dia depois do ‘dia [americano] de ação de
graças’, que acontece na quarta quinta-feira do mesmo mês. Explicando: a
sexta-feira negra seria como que uma espécie de ponte entre o feriado nacional
americano e o fim-de-semana seguinte, com que muitos funcionários seriam
agraciados. Isso permitiria uma boa oportunidade para os comerciantes criarem
um dia de liquidações, atraindo consumidores e dando ainda abertura ao início
de compras de natal e de fim-de-ano…
Como
bons ‘imitadores’ das façanhas dos americanos – mesmo que contestatários do
espírito capitalista que lhe está subjacente – bem depressa entramos na lógica
do consumismo… com grande gáudio de marxistas, trotskistas, socialistas e
afins. Uma coisa é o que (pretensamente) se pensa e outra bem distinta aquela
que se faz e como se vive! Incongruência a quanto obrigas!...
Este ano
a ‘sexta-feira negra’ teve preparação e prolongamento, isto é, foi tendo espaço
desde o princípio da semana e até quase ao final do mês.
Ora, o
governo deste país – qual ariete representativo do espírito de ‘black friday’,
isto é, aumenta os preços para fazer de conta que os reduziu na hora de colocar
à venda as benesses em maré de saldos – também entrou na lógica desta época.
Quis fazer o balanço de dois anos de governança. Entregou a tarefa a uma
empresa de comunicação e imagem – Aximage… que tão bons resultados tem ‘vendido’
nas sondagens para a área governativa, agora e no passado recente. Escolheu uma
universidade e montou o cenário. Dizem que pagaram umas centenas de euros aos
‘selecionados’ para participarem no estudo… mas o pagamento era fornecido em cupões
de produtos em cadeias comerciais… O coordenador do dito estudo parece estar na
linha de quem já enterrou o discurso da austeridade, sabe-se lá a que preço e
com que futuro!
=
Atendendo aos acontecimentos dos últimos meses – desde meados de junho – que há
para comemorar? As vidas colhidas pelos fogos – 64 em junho e 50 em outubro –
não mereciam mais respeito e contenção nos festejos? Os prejuízos das pessoas
não podiam fazer com que os governantes, ao menos este ano, fizessem algo
comedido e sensato? Ou será que o sofrimento alheio não desmotiva quem manda?
Dá a
impressão que se está a voltar a um espírito de ‘dejà vu’ na condução das
políticas: resolver com festanças os ‘sucessos’ sem esperar que se consolidem
os resultados. Isso mesmo deu origem à recente intervenção exterior em matéria
de finanças públicas. Parecemos alguém que conseguiu sair, um poucochinho do
vício e logo vai celebrar as pequenas vitórias com exageros iguais aos
problemas…
O país
não pode viver nos solavancos de gente inconsistente e temerária, que cultiva a
vivência do ‘chapa ganha-chapa gasta’, pois isso só nos tem trazido dissabores
e mais e mais problemas pessoais, familiares e sociais de incontinência económica,
associada à verborreia duns tantos mais habilidosos e espertos, mas que farão
os incautos pagar as consequências a curto e a médio prazo.
= O
problema de muita dessa gente que se deslumbra e deixa aliciar pelo espírito da
‘black friday’ nunca soube o que era passar dificuldades nem pessoais e tão
pouco familiares. Dá a impressão que sempre tiveram tudo o que desejavam, desde
a mais tenra idade, sem lhes ser coartada qualquer pretensão, por mais ousada
ou cara que fosse. Talvez não tenham de ir com o dinheiro contado às compras,
pois o ‘cartão’ tudo suporta e faz de conta que tem cobertura. Ora, ser
governado por pessoas deste jaez só serve para criar rezingões e reivindicativos
e pessoas pouco colaborantes no destino comum e com sensibilidade aos mais
frágeis e, por vezes, marginalizados. Não será dando cobertura à minoria da
função pública, espremendo com impostos os privados, que este país sairá do
fosso para onde está, nitidamente, a regressar. O tempo confirmará que estamos
mais perto disso do que julgamos…
António Sílvio Couto
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