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sábado, 3 de dezembro de 2016

Delito de opinião


Ao abrigo do artigo 38.º da constituição da república portuguesa há liberdade de expressão e de criação por parte dos ‘fazedores’ da comunicação social, mas isso – a liberdade e o seu contrário – não é tão possível/percetível por parte daqueles que não estão nesse enquadramento ou que não perfilhem ideias por eles aceitáveis ou toleradas.

Ter direito de opinião é – ou pode ser – expresso (ou será, antes, exprimido?) num quadro de razoável complexidade de registos e de concordâncias.

Às vezes dá a impressão que certas atitudes funcionam com defeito de forma, isto é, muito daquilo que se diz (ou pode ser dito) tem de passar por um tal crivo do ‘coletivo’, onde a opinião de cada qual vale enquanto concorda com a maioria, gerando-se, assim, um aniquilamento do pensamento pessoal e fundamentado na pessoa e não no mito das maiorias… reais, exequíveis ou manipuladas. 

= Fique claro – quase como declaração de interesses – para mim cada pessoa vale mais do que o (pretenso) coletivo, pois daquela pode-se esperar responsabilidade e responsabilização e deste nem uma coisa nem outra… antes tudo parece ser e viver-se sem rosto nem voz. 

= Num tempo em que muitos dos mitos – pessoais ou coletivos, nacionais ou transnacionais, ideológicos e/ou populistas – vão tremendo na sua formulação e, sobretudo, na prossecução dos seus objetivos, vemos que uns tantos (mais do que aquilo que parece) ainda se agarram – quais náufragos em maré de tempestade – aos estilhaços da revolução silenciosa e contundente de 1989 – queda do muro de Berlim – acenando com conjeturas de circunstância em ordem a fazerem valer a construção duma sociedade democrática sem capitalismo, mas vestidos/calçados/produzidos (figura e imagem, tlm e carro) com as marcas (capitalistas e neoliberais) que contestam…mas lhes dão estatuto económico e social.  

= Há, por outro lado, forças e projetos que ainda se vão escondendo para que não se dito o que, de facto e com verdade, fazem em favor dos desfavorecidos… à boa maneira da sugestão bíblica sem barulho nem grande aparato. Por vezes a mão direita faz o que nem a esquerda sabe – esta é uma ideia/conselho do evangelho – e isso permite a muitas pessoas sobreviverem acima do mínimo da dignidade humana. Em quantas situações é a ajuda silenciosa e recatada que faz sobreviver famílias e pessoas individuais, aí onde outros fariam alarido para que se soubesse – de forma direta ou mais subtil – a ajuda prestada… Isso não dá votos e – no caso da frequência da prática religiosa – nem sequer devotos.

Efetivamente, por estes dias, veremos inúmeras associações e coletividades a publicitarem as suas ações de benemerência, sobretudo se isso tiver o patrocínio sub-reptício dalguma autarquia…

Com que facilidade se explora a fragilidade dos outros, tornando-os como que alfinete de condecoração no trato com as coisas de assistência… próprias ou rececionadas para o efeito.  

= Faço parte, desde a mais tenra idade, pelo batismo com um dia de vida, duma sociedade de fiéis, que têm por fundador um Deus-feito homem, Jesus Cristo e que, de forma organizada, se chama Igreja Católica. Fui educado e cresci nesta expressão de cristianismo. Por graça e mistério de Deus, fui ordenado para nela ser ministro, como padre. Aprendi a amar, a pensar e desejar tudo na vida a partir desta expressão de fé comunitária. Mas quase nunca me senti condicionado a dizer o que pensava e a pensar o que digo… até pela formação teológica e compromisso pastoral.

Quando falo de «delito de opinião» não me sinto condicionado a não ser livre para dizer, escrever ou falar o que, na minha consciência cristã, posso, devo e tenho de exprimir. Por tal razão considero que não temos – como Igreja plural e una – de temer que nos possam avaliar e até contestar… desde que sejam, minimamente, fiéis e queiram comungar da mesma fé professada, celebrada e comprometida…

De outros dispensamos lições… sobretudo se vivem e se alimentam do secretismo de estruturas e de coletivos menos claros, esclarecedores e transparentes.  

   

António Sílvio Couto



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