Surgiu
na publicidade desportiva, nesta época de Natal, o spot duma marca de material
desportivo, associado a um clube português de grande dimensão, em que, num
campo de prática de futebol – onde as crianças jogavam descalças…como tantos de
nós na nossa meninice – se passa, como que por magia de estarem descalços para
aparecerem calçados com chuteiras dessa marca… Ora, bem depressa, surgiram outos
tantos rapazes, que descendo o morro, se querem associar ao jogo… Eis que, de
repente, os que receberam as chuteiras novas a estrear, descalçam um dos pés –
creio que, na maioria, o pé que chutava – e oferecem aos companheiros a outra
chuteira para que todos possam jogar, ao menos, com um pé calçado!
A reação
do representante do clube/fundação oferente ficou, como europeu, surpreendido –
talvez não seja só ‘teatro’ publicitário – com tal gesto em admiração e
confuso!... No spot publicitário, gerou-se, então, um jogo entre crianças com
alegria e satisfação.
Não
sabemos se outros clubes vão seguir a ideia de irem alegrar crianças em África
– ou nalgum bairro periférico em Portugal – dando bolas e chuteiras,
patrocinadas ou não por marcas de âmbito internacional. No entanto, cremos e
desejamos que, muitos dos europeus tão instalados e, recorrentemente reivindicativos,
possam seguir o espírito daquela partilha, saindo da comodidade mais ou menos
egoísta…senão mesmo possessiva, triste e insensível aos outros!
= Dar ou receber?
Nesta
época natalícia estas duas palavras – dar e receber – foram, certamente,
conjugadas em muitas formas e variados sentidos, senão na passiva ao menos na
ativa. Com efeito, o tempo de Natal torna-se propício a dar prendas e/ou a
receber presentes ou, talvez ao contrário, a dar presentes e/ou a receber
prendas… Explicando, pois nem tudo é igual: o ‘presente’ é ou pode ser uma
forma de eu me fazer presente a quem ofereço algo, tendo em conta aquele/a a
quem ofereço; enquanto na ‘prenda’ eu posso ir preso, dando a alguém algo em
que me deixo ir possessivamente para que, quem recebe, saiba que fui eu que
ofereci. Por isso, é que muitas prendas são (ou podem ser) quase inúteis,
embora lembrando quem as deu, enquanto uns tantos presentes podem ser úteis
porque atenderam a quem foi oferecido.
= Cultivar a partilha
Outra
faceta do Natal é a da partilha…nos mais diversos sentidos da sua expressão ou
vivência. Quando alguém partilha, seja o que for – desde coisas até às
palavras, passando pela presença ou mesmo um pouco de tempo – está a sair de si
mesmo, indo ao encontro do outro/a. Na partilha gera-se mais uma cultura da
atenção do que uma tomada de intenção. De facto, no mundo de hoje vive-se muito
ensimesmado cada um nos seus problemas reais, virtuais ou mesmo fictícios.
Quantas vezes encontramos pessoas cujo horizonte da sua preocupação é o seu próprio
perímetro ou o mero alcance das suas vistas…curtas e sem alcance de saída.
Deste
modo torna-se um pouco a contracorrente que, ao menos, Natal, se possam gerar
novas oportunidades de partilha…sem reduzir isso à mera disponibilização de
coisas materiais, embora estas – comida, roupa, artigos de higiene, calçado,
etc. – possam e devam também estar presentes na partilha. Muito mal estaríamos,
se já nem por ocasião do Natal, não nos despertássemos para a partilha fraterna
e solidária!
= Humanizar as relações das
pessoas
Precisamos,
cada vez com mais urgência, de humanizar as relações entre as pessoas, as
famílias, as empresas, as autarquias, as igrejas, as religiões… e em todos os
campos onde estejam pessoas. Com efeito, temos vindo a constatar que, pelo seu
lado, os animais vão conquistando mais sinais de cidadania do que os humanos.
Com facilidade se gera uma onda de solidariedade para com um animal menos bem
tratado do que para com uma pessoa/família a passar dificuldades. Parece que algo
vai mal no reino da civilização humana. Talvez devamos questionar-nos mesmo sobre
o crescimento da oferta nas secções das grandes superfícies de comida para
animal em detrimento dos espaços destinados às crianças… O Natal também passa(rá)
por aqui?
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário