«A Igreja tem a
missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que
por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. (...) Nas nossas
paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos - em suma, onde houver
cristãos - qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia» – Papa
Francisco, O rosto da misericórdia,
n.º 12.
Ao darmos início ao
‘ano jubilar da misericórdia’ somos, entretanto, confrontados com múltiplos sinais
de não-misericórdia no nosso trato coletivo mais ou menos difuso:
= Contemporaneidade agressiva e agnóstica?
Por entre tantos
arremedos de confusão, vivemos numa apreensão contínua sobre o significado das
atitudes pessoais e alheias, pois factos e pessoas manifestam que as relações
se conduzem mais pela agressividade do que pela compreensão; situações e
episódios veiculam mais o conflito do que a tolerância; gestos e acontecimentos
estão mais marcados pelo ressentimento do que por algum (ténue) perdão...
Tudo se agrava se nos
detivermos a considerar que muita dessa agressividade e conflitualidade emerge
do coração azedo e ferido de tantos/as que (até) se dizem cristãos... mais ou
menos praticantes. Com que arrepios de escândalo vemos que muitos dos comungantes
nas nossas missas misturarem na mesma boca a hóstia consagrada da presença de
Jesus na eucaristia com a maledicência contumaz e ressabiada...contra os
outros.
= Combater o terrorismo com as mesmas armas...de
intolerância?
Depois dos mais recentes
e espetaculares atentados, em Paris, a 13 de novembro, vemos que os combatentes
daquele terrorismo usam as mesmas armas sem olhar a meios nem a ilegalidades. O
que faliu foi (e é) o modelo de sociedade que foi gerando, no seu interior e
sem controle, os fazedores de denuncia ao falhanço da sociedade laicista do
Ocidente. Os ‘terroristas’ tinha nacionalidade e identificação dos países que
agora destroçaram pela morte. São filhos e resultado da vulgarização do
não-Deus – a alusão a Deus nos atentados é abusiva, ofensiva e tendenciosa! – no
pensar e no agir. Foram-lhes dados todos os alçapões sociais e legais para se
evaporarem sem deixarem rasto nem possibilidade de serem encontrados...Por
muito que nos custe aceitar, eles atuam de forma impune e tendencialmente vangloriosa...
= Sinais políticos preocupantes...contraditórios
À boa maneira da
interpretação das votações noutros momentos e locais, podemos ver que, em
França, cresceu a tendência (apelidada) de ‘extrema-direita’, vulgarizando os
(ditos) democratas e reduzindo à insignificância quem ocupa o poder. Deu para
perceber que as conquistas mais recentes de combate ao terrorismo não fizeram
subir quem nada vale – lá como por cá! – e que não podemos continuar a reclamar
contra quem discorda, votando e que se exprime de forma diferente da tendência
barulhenta de certas esquerdas...contestatárias na rua...mas submissas no
poder.
Nota-se que uma certa
comunicação social – nacional e no estrangeiro – só se inquieta com as
expressões que fogem da onda dos seus mentores. Uns tantos querem fazer crer
que o perigo vem (só) da direita, tentando esquecer que também a esquerda
deixou milhões de mortos e de gulags, de prisões e de caudilhos na América
Latina e na Ásia...alguns há anos!
= Misericórdia como opção política
Acreditamos que o
mundo pode ser mais humano e mais fraterno, se as pessoas se conduzirem com
relações de misericórdia entre si, nas instituições, nos países, nas religiões,
nas culturas e (até) nas ideologias... mesmo que algumas não a compreendam. Temos
um longo e árduo caminho a fazer, mas valerá a pena começá-lo, dando pequenos
passos com aqueles com que vivemos e partilhamos este momento histórico...
Deixemo-nos supreender por Deus!
António Sílvio Couto
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