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sábado, 30 de maio de 2020

Seremos (mesmo) um povo que não se deixa governar?



A ver por alguns dos dados disponíveis estamos a confirmar essa observação de um general romano que dizia sobre um tal povo que vivia nos confins da Iberia: é um povo que não se governa nem se deixa governar!
Ora, passados tantos séculos, mantemos bastantes tiques desta caraterística nacional, pois somos capazes de razoáveis atos de tenacidade, mas com relativa facilidade nos deixamos descair para a vulgaridade. Vejamos episódios do nosso tempo coletivo mais recente: com que sacrifício vivemos as agruras das fases de confinamento no estado de emergência e na situação de calamidade e, tão rapidamente, nos resvalou o pé para a asneira, deitando quase tudo a perder, ao parecermos aliviar as restrições e logo dispararam os números de afetados (infetados, internados e até falecidos) pelo vírus fatal!


Há quem considere que a nossa extensão de luz solar nos faz um tanto mais distendidos nas razões de aceitarmos as restrições – foram muitas e duras…outras virão piores – mesmo que disso dependa o sucesso das medidas, das regras e mesmo das melhores intenções. Dá a impressão que ainda não interiorizamos de que o sucesso dos outros depende do compromisso de todos e que estes todos contêm cada um…mesmo nos seus pequenos interesses. É verdade que raramente tivemos de nos unir para reconstruir o país – como aconteceu na maior parte dos países da Europa há cerca de setenta anos – e fomos vivendo ao ritmo do mais fácil e no mero desenrascanço à portuguesa…Nem a pertença à Europa dos ricos nos fez conciliar a preguiça com o trabalho, pois aquela suplanta este, bastará um pequeno sinal de abrandamento no esforço… para voltarmos ao ponto de partida, a miséria nacional. 

= Esperando que não seja uma leitura abusiva dos factos, a vaga da epidemia veio do norte para o sul, encalhando, por agora, no pântano da (dita) área metropolitana de Lisboa, que inclui o espaço entre Vila Franca de Xira e Setúbal, passando por Cascais, Loures ou Sintra.

Os primeiros infetados com o vírus foram os industriais de calçado e têxteis da área metropolitana do Porto, que foram ‘apanhar o bicho’ nas feiras e exposições do norte de Itália…por isso, os números impressionantes nos primeiros dias do ‘covid-19’. Decorridos mais de dois meses com o ‘credo na boca’ e escutando as notícias diariamente graves, vemos que na coroa envolvente da capital emergem casos cada vez mais preocupantes e com tendências pouco animadoras.

Praias a abarrotar de povo, atitudes pouco respeitadoras do espaço sanitário, gestos de quem não se cuida nem atende aos perigos dos outros ou se acautela em ser perigo para os demais… temos visto nas ruas, mais naquelas que percorremos do que nas que nos vendem nas televisões. Com efeito, os meios de comunicação social, que foram tão importantes para a prevenção, estão agora a tornarem-se os maiores difusores da confusão e até da promiscuidade de comportamentos de pessoas, de grupos e de inúmeros abusos de uns espertos sobre o resto da população… 

= Quando se quer conduzir um povo fazendo-o acreditar que o consumo é a raiz de todo o sucesso, não poderemos ter outras consequências do que aquelas já estamos acolher. Efetivamente dá a impressão que não soubemos aprender com o que vivemos nos tempos mais recentes. Continua-se a insistir na opção restaurante em vez da vivência da família em casa. Despeja-se dinheiro sobre os problemas em vez de os diagnosticar e resolver com honestidade e lealdade. Opta-se por fingir que está tudo bem, quando o bem que se diz que está não passa de uma ilusão alicerçada no engano, na patranha e na mentira, tanto política como económica e mesmo social.

O melhor retrato desta pandemia da inconsciência coletiva reinante é terem lançado mais um programa televisivo ‘big brother’, onde as pessoas colocam a sua vida no estendal da desvergonha e com isso pensam ganhar notoriedade. Pior ainda é a subtileza dos preconceitos com que são apresentados certos problemas – ou serão fait-divers de nichos de interesses ou de lóbi? – quando não passam de modas de circunstância e que, por tanto insistirem, podem vir a tornar-se um outro modelo cultural.  

Se não somos capazes de nos governarmos como convém, queira Deus que nos deixemos governar como é melhor…sem preconceitos nem recorrendo a modelos que já faliram noutras latitudes!       

 

António Sílvio Couto

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