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segunda-feira, 11 de maio de 2020

‘A fragilidade humaniza a vida’


É este o tema da 27.ª ‘semana da vida’, que decorre, em Portugal, de 10 a 17 de maio.

Certamente que temos por substrato a vivência mais recente da pandemia e que o ‘dia internacional da família’ (15 de maio), aliado à celebração aniversaria das ‘aparições’ em Fátima (dia 13), fazem desta semana algo de grande intensidade, simplicidade e humildade. 

Da mensagem apresentada no guião para a ‘semana da vida 2020’ da Comissão Episcopal do Laicado e Família – Departamento nacional da pastoral familiar, respigamos alguns aspetos, aos quais acrescentamos algumas outras considerações.

«Reconhecer e aceitar a própria fragilidade e cuidar das fragilidades em que ela se manifesta torna a pessoa mais humana, é condição indispensável de humanização pessoal» - diz-se na abertura daquele guião.

Idêntica atitude se deve ter para com os outros, na medida em que «conhecer e aceitar a fragilidade do outro, suportar, acolher e perdoar as suas consequências e cuidar das fragilidades em que ela se manifesta, ajuda o outro a ser mais humano e humaniza as relações, que se tornam fonte de humanização». Nas indicações da CELF é salientado que esta sensibilidade «é particularmente relevante para a vida das famílias».
Por seu turno, «cuidar dos mais frágeis humaniza-os, humaniza aquele que cuida e humaniza a sociedade.
A qualidade humana de uma sociedade avalia-se na qualidade dos dinamismos de solicitude e estratégias de cuidado dos seus membros mais frágeis
». Efetivamente, considera a CELF que «só é verdadeiramente humana uma sociedade compassiva, capaz de promover a justiça social e os mecanismos da solidariedade que a reequilibrem quando as consequências da fragilidade humana partilhada por todos se abatem sobre alguns».

À luz destas observações, poderemos perguntar: temos aprendido a ser mais humanos porque mais sensíveis às fragilidades pessoais e dos outros? Não teremos andado mais a camuflar, maquilhar ou iludir as nossas fragilidades, desviando as atenções alheias para os nossos disfarces e travessuras quase infantis? Certo pietismo – mesmo religioso com verniz cristão – não enferma de alguma imaturidade, de suficiente negligência e mesmo de razoável mentira? As famílias serão, de facto, escolas de humanismo e cordialidade ou mais antros de maledicência e de chacota dos defeitos alheios?

Aquele bacoco slogan – ‘vai ficar tudo bem’ – é bastante revelador da confusão em que temos andado a viver e em que parece que pretendemos ludibriar os outros…incautos como nós! 

Como orientações para esta 27.ª semana da vida, o Departamento nacional da pastoral familiar sugere, em conexão com a vivência da Igreja católica quanto ao sofrimento, as seguintes diretrizes a cultivar e a propor: «uma saudável espiritualidade do sofrimento; uma nova e transversal pastoral da fragilidade e do cuidado; a promoção das condições para uma competente participação evangélica e evangelizadora nos debates em curso na cultura e na sociedade contemporâneas: o debate antropológico sobre a fragilidade humana, o debate ético sobre a vulnerabilidade e o cuidado, os debates nos ‘fora’ de definição das consequentes opções político-económico-sociais».

Não teremos andado a tentar dourar o sofrimento com pinceladas de autodomínio e salamaleques de religiões orientais? Teremos sabido apresentar Cristo como Aquele que não disfarçou, mas assumiu a sua fragilidade sem medo nem adiamentos? Depois de uma tal ataraxia estoica – com tantas influências nas resignações católicas – conseguiremos ainda dar sentido ao sofrimento/dor cristão? Não faltará à formação espiritual de muitos dos nossos praticantes – mesmo na eucaristia – uma salutar vivência dos sacrifícios, dores e privações tal como os vivenciaram os pastorinhos de Fátima?

De referir que a ‘semana da vida’, celebrada na terceira semana de maio, foi instituída, em Portugal, na sequência do ‘ano internacional da família’, em 1994, dando ainda cumprimento a um desejo expresso pelo Papa João Paulo II no encerramento do sínodo da Europa, em 1991, e corroborado pela encíclica ‘Evangelho da vida’ (n.º 85) de 1995.

Mais do que viver sob o regime de pandemia, em medo e temor, importa viver a vida na sua fragilidade…

   

António Sílvio Couto

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