Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



domingo, 3 de maio de 2020

Do Costa (Afonso) ao Costa (António)



O apelido ‘Costa’ recorda-nos tantas e tão veneráveis figuras que intervieram por – boas, más ou desastrosas – razões na nossa história coletiva.

Excluímos deste plano de observação tantos ‘costas’ ilustres, em imensos campos de trabalho e de realce, variadíssimos que se destacaram no desporto ou na vida artística, na dimensão cultural e cultual… e uma infinidade de anónimos que fizeram da história um lugar de vida, de compromisso e de feitos em razão dos outros…

 O ‘confronto’ entre o Afonso e o António nada tem de rivalidade, antes mais parece que, decorrido um século e tal, podemos encontrar linhas de afinidade, vendo no do passado perspetivas para o do presente…sem outro objetivo que não seja o de construir boas leituras. Se queremos perceber alguns pontos de contato poderemos ler e aprofundar aspetos menos bem atendidos… tal a velocidade em que temos andado envolvidos. Pior, um já morreu (1937) e o outro ainda vive e, possivelmente, por muito tempo ainda.

= Breves pinceladas de afinidade:

* Afonso foi eleito, em fevereiro de 1900, deputado em razão de uma peste bubónica que atingiu o Porto entre o verão de 1899 e a primavera de 1900… António tem estado à testa do combate à pandemia do ‘covid-19’ desde o final do inverno do ano de 2019 e talvez até ao verão de 2020;

* Afonso ocupou o ministério da justiça e dos cultos, tendo-lhe sido dada a alcunha de ‘mata-frades’ pela legislação laicista que mandou publicar – lei da separação do estado das igrejas (1911) – bem como outras atitudes antirreligiosas que tomou, tal como os confrontos que provocou com a hierarquia da Igreja católica do tempo… tendo ‘profetizado’ que acabaria com a religião, em Portugal, no espaço de duas gerações… António conseguiu, junto do episcopado português, silêncio, contenção e obediência às regras civis de saúde, por ocasião da pandemia do ‘covid-19’, reduzindo o culto a atos de transmissão televisionada e com os templos fechados às assembleias religiosas…Onde estão os ‘barrosos’, os ‘vieira de matos’ e os ‘mendes belo’ do nosso tempo, nas cátedras episcopais?

* Afonso conseguiu conter o défice orçamental e equilibrar as finanças públicas, como ministro acumulado do setor (1913-1914), com um saldo só atingido, na história do país, com A. O. Salazar (1932)… Foi sob a governação de António que se deu o maior saldo das finanças públicas, em 2019, logo, rapidamente, afundado com a crise do ‘covid-19’ e a caminho daquela que muitos apelidam de maior receção nacional… mas como ainda estamos no olho do furacão não se vislumbra já o efeito total…

= Será que estes três pontos de convergência factual fazendo destes dois ‘costas’ alguém muito especial na nossa história? Os episódios – peste, religião e economia – serão suficientes para os equiparar? Que marca de diferença deixarão, com tanto tempo de distância e em épocas tão distintas? Usando armas diversas, atendendo mesmo aos tempos de vivência, os efeitos poder-se-ão prolongar em consistência, sabedoria e proveito de todos?

= Vejamos, parcelarmente, os campos de afinidade e tentemos colher do passado (Afonso), perspetivas de futuro (António):

- peste/vírus – algo funesto fez com que se destacassem, correndo o risco de poder ser visto como a construção do futuro sobre a podridão, a desgraça alheia ou o tenebroso… No entanto, temos de compreender que é nas crises onde se destacam os bons ou os ruins, os honestos ou os oportunistas, os sábios ou os exploradores da ignorância dos demais. Diz o adágio latino: ‘asinus asinum fricat’ (um burro coça outro)!

- religião – essa força que move multidões mais pela fé do que pela crença, quase sempre foi espaço para que se manifestem as conjeturas ideológicas, nem sempre claras e às claras. À provocação do Afonso, Deus respondeu, em Fátima, com um novo élan religioso e vigor de fé. Será que iremos descobrir novos sinais de fé adulta após esta crise que atingiu parte da quaresma e o tempo pascal deste ano litúrgico? Corremos o risco de ficarmo-nos na ‘religião de sofá’, acomodados às pantufas de prática religiosa televisionada… o futuro dirá quais os resultados! Não andaremos a reduzir-nos ao menos mal sem horizontes nem clareza?

economia – isso que faz mover o mundo entrou em colapso, quando se tinha atingido o sucesso este esfumou-se em menos de um mês e a austeridade virá, mesmo que clamem contra ela… Despertai!  

 

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário