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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Com máscara não seremos desmascarados?


Eis que, de repente, a máscara se tornou um dos adereços mais importante de todos e para todos. Uma simples tira de pano – com maior ou menor simplicidade ou com um ou outro toque artístico – é hoje algo que nos faz estar em comunhão na prevenção para que não haja tanta desgraça ou nos faça tornar a todos vigilantes da saúde própria e alheia.

Numa visão cultural clássica saber-se-á que a ‘máscara’ era usada no teatro grego e posteriormente no de cultura latina, funcionando, entre outras coisas, para amplificar a voz e até para criar novas personagens nas representações. Claro que a função era diferente e a própria máscara tinha outra configuração, deixando a descoberto os olhos e a boca, órgãos que agora são resguardados com a utilização da ‘nova’ máscara.

O recurso à máscara como disfarce vemo-lo (ou melhor, víamo-lo), bastante difundido, na época do carnaval, tanto naquilo que tem de sério – repare-se no ‘baile de máscaras’ veneziano – como de folclórico – atente-se aos caretos de certas regiões rurais – ou ainda à tendência bizarra de comediantes populares… Neste âmbito a máscara como que poderá servir para a assunção de outros papéis nem sempre aceitáveis por quem a ela quer recorrer num misto de ser e de parecer…sabe-se lá a que preço e com que intenção. 

= Que tem, então, de especial a máscara fomentada, difundida e usada nesta contenção de pandemia? Será que já nos apercebemos dos riscos que corremos se não usarmos a máscara – cirúrgica ou social – no contexto da vida com os outros? Já percebemos que temos de nos defender e de cuidar da proteção alheia? 

= Desde meados de março que temos vivido etapas para enfrentarmos as causas, debelando as consequências deste coronavírus ‘covid-19’: desde o estado de emergência – duas fases de 19 de março a 2 de maio – até à situação de calamidade – em vigor desde 4 de maio – passando por dias de confinamento bastante restritivo – por ocasião da páscoa e no início de maio – fomos aprendendo a lidar com ‘algo’ que tem tanto de perigoso quanto de inesperado e sem rosto.

As mais variadas atividades foram reduzidas ao essencial, senão mesmo algumas suspensas ou até anuladas. Esta pandemia viral tornou-se quase tanto mais psicológica do que de saúde físico-biológica. Foi crescendo a desconfiança das pessoas, emergiu o medo mais tétrico e quase floresceu o que seria impensável de macabro na nossa condição humana.

De algum modo faliram muitas das certezas em que andávamos entretidos, mesmo as de âmbito mais profundo e considerado inabalável. Os ritos cultuais entraram em colapso, veja-se o encerramento dos templos e a suspensão dos atos religiosos… desde 15 de março até 30 de maio – setenta e sete longos dias – em que ‘o povo de Deus’ esteve, normalmente, em grande jejum do alimento de Jesus-eucarístico. Foram surgindo múltiplas formas de fazer chegar a eucaristia – de domingo ou à semana – àqueles que estavam confinados à sua casa… a capacidade de resposta foi impressionante, mas os riscos podem continuar se não forem dados passos de resposta a um catolicismo que seja comunitário e não de mera solução dos ritos e do cumprimento de preceitos…. Tanto quanto me foi dado perceber e executar consegui celebrar – com transmissão via Net radio católica – em cerca de cinquenta daqueles dias de confinamento e afins, com especial incidência aos domingos e, neste espaço que decorreu na parte final da quaresma e todo o tempo pascal… daí o ressurgimento em domingo de Pentecostes. 

= Eis-nos chegados ao momento em que não podemos abrandar na vigilância, pois os dados continuam a dizer que o vírus não está dominado e tão pouco isso acontece por decreto-lei ou por publicação de qualquer portaria… A pressa em querer pôr a economia a render poderá deixar-nos à beira do precipício, pois desgraçado será um país que viva mobilizado pelo consumo e não pela produção, que tente enganar os incautos com dinheiro para gastar e não ensine a poupar ou ainda que julgue sobreviver com balões de subsídios na medida em que terá a fatura a pagar mais depressa do que pensa… Foi, assim, que entramos, por três vezes – sempre com a mesma cor governante – na bancarrota… Já é tempo de aprendermos com o passado e não nos deixarmos manipular pelo que parece sucesso (salário), sem trabalho!     

 

António Sílvio Couto

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