Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 2 de maio de 2020

Todos somos ‘trabalhadores’


À semelhança do que vem acontecendo com a efeméride do ’25 de abril’, assim, por ocasião do dia um de maio, uns tantos julgam-se donos e senhores do ‘dia do trabalhador’… O pior é que são os mesmos que se consideram proprietários de algo que faz parte do património comum da humanidade e não se vende às fatias em regime de feira… Além de indecente, esta apropriação é desonesta, abusiva e mesmo antidemocrática.  

= O dia um de maio como ‘dia do trabalhador’ remonta ao dia 1 de maio de 1886, quando uma greve foi iniciada na cidade norte-americana de Chicago, com o objetivo de conquistar condições melhores de trabalho, principalmente a redução da jornada de trabalho diária, que chegava a 17 horas, para oito horas. Por seu turno, a ligação a São José, foi realizada pelo Papa Pio XII, em 1955, quando instituiu a festa de ‘São José, operário’, comemorada também no 1.º de maio,  dia internacional dos trabalhadores.  

= Embora seja inadequadamente visto e vivido sobretudo como um dia de luta de alguns setores mais radicais, temos visto que as forças (ditas) de esquerda se têm assoberbado da data como se fosse um privilégio do seu campo ideológico, enquanto não há razões para que se afunile esta visão e tão pouco a sua vivência. Como dia que pretende unir toda a população não é, minimamente, aceitável que uns tantos reduzam o ‘dia do trabalhador’ a uma espécie de fetiche setorial…com marca e patente! 

= Ora, este ano, em maré de pandemia, o assunto da vivência do ‘dia do trabalhador’ revestiu outras proporções ainda mais ridículas, pois para ser levado à rua seria necessário criar condições excecionais ou entrar em transgressão. Aparentemente o modo como foi tratado o assunto pela confederação dos sindicatos mais à esquerda – onde pontificam nos seus quadros dirigentes de partidos desse espectro ideológico – deu a impressão de ter orquestrado a questão de modo a ludibriar as autoridades: o espaçamento entre as pessoas, a forma como se mascararam ou até o jeito como foi mais ou menos organizado…deixou a tal impressão de cumprir o ‘estado de emergência’ e o confinamento ao concelho de residência…No entanto, deixou escapar – com a conivência das autoridades policiais e politicas – a categoria de excecionalidade que outros setores não usufruem nem têm a cobertura por idêntica negligência. Mais uma vez se notou que há cidadãos com categorias diferentes, dependendo da cor do cartão partidário ou sindical… 

= Olhemos, então, brevemente para o corpo de doutrina da Igreja católica sobre este campo concreto do trabalho. A designada ‘doutrina social da Igreja’ (DSI) comporta dezanove encíclicas, desde a ‘Rerum novarum’ do Papa Leão XIII (1891) até à «Laudato sí’ do Papa Francisco (2015).

«A doutrina social da Igreja desenvolveu-se no século XIX por ocasião do encontro do Evangelho com a sociedade industrial moderna, suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, sua nova concepção da sociedade, do Estado e da autoridade, suas novas formas de trabalho e de propriedade» – refere o Catecismo da Igreja Católica, 2421.

Os temas são muito diversificados: pessoa humana – dignidade, direitos e liberdades; família e paz; sistema económico – trabalho, iniciativa privada e bem comum; princípios da subsidiariedade e da solidariedade; bens da natureza – cuidado, preservação e defesa do meio ambiente; desenvolvimento integral dos povos e justiça social, etc.

Centramos a nossa atenção no tema do trabalho e podemos elencar alguns dos grandes e significativos documentos da DSI e a sua contextualização. O papa Leão XIII (1891), sentindo a urgência dos novos tempos e das “coisas novas” promulgou a encíclica ‘Rerum Novarum’. A ela seguiu-se a encíclica ‘Quadragesimo anno’, de Pio XI em 1931. O papa João XXIII publicou, em 1961, ‘Mater et Magistra’ e Paulo VI a encíclica ‘Populorum Progressio’, em 1967, e a carta apostólica ‘Octagesima Adveniens’, em 1971... sem esquecer o que o Concílio Vaticano II, na Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ (1965) tratou este tema do trabalho de modo longo e profundo. Da sua parte, João Paulo II sobre o tema da “questão social” e do trabalho em particular, publicou três encíclicas: ‘Laborens exercens’ (1981), ‘Sollicitudo rei socialis’ (1987) e ‘Centesimus Annus’, em 1991, pouco tempo depois da queda do Muro de Berlim e do colapso do regime comunista na Europa de Leste.
A Doutrina Social da Igreja foi apresentada de modo sistematizado e orgânico, em 2004, no ‘Compêndio da Doutrina Social da Igreja’, fruto de trabalho do Pontifício Conselho Justiça e Paz.

Efetivamente talvez nos falte a nós, católicos, um estudo suficiente sobre este tema do trabalho naquilo que a Igreja nos ensina e não andaríamos a manquejar, por entre soluções que já faliram e que de futuro só apresentam conceitos, recursos e com armas do passado, que não volta mais…     

 

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário