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terça-feira, 30 de maio de 2023

Interpretando sinais dos ‘filhos da pandemia’

 

As crianças nascidas nos anos da pandemia – mais declaradamente de 2020 a 2022 – parecem apresentar caraterísticas muito específicas, tanto elas como os pais. O meu campo de constatação são os momentos de celebração do batismo de alguns desses exemplares. Nota-se um certo protecionismo, algum acanhamento e mesmo insegurança no contacto extra-familiar.

1. Devido ao processo sócio-humanitário-político decorrente das precauções podemos conferir ao tempo da pandemia uma análise muito específica, pois todos precisamos de aprender a lidar com algo tão generalizado, que a todos deixou perplexos, amedrontados e mesmo à deriva... Foi um tempo assaz difícil de discernir, onde fomos protegendo os mais próximos, não sem riscos ou exageros e até excessos.

2. Nalguns casos temos visto crianças em atitude de defesa para quem possa intrometer-se no seu campo de ação. Fomos vendo crianças em desconfiança, talvez pelos receios higieno-sanitários incutidos, numa proporção que poderá deixar resquícios no seu desenvolvimento psicológico e espiritual. Quando uma criança se agarra ao pescoço dos pais ou avós de forma quase-obsessiva poderemos considerar da sua insegurança e expressão de vulnerabilidade...inconsciente. O circuito familiar destas crianças foi, normalmente, afunilado com tudo quanto possa ser significativo para o seu crescimento normal e normalizado.

3. Se tivermos em conta que o comportamento das crianças aquilata da maturidade dos adultos, então, temos largo e longo plano de reflexão sobre estes ‘filhos da pandemia’. Com efeito, os anos de pandemia do ‘covid 19’ foram tempos de grande provação social, humana, cultural e mesmo espiritual. Os mais novos – nascidos nessa época ou a nascer nesse período – tiveram muito particular atenção, gerando e sendo gerados com cuidados redobrados, pois não sabíamos o que fazer, tal a estupefacção que aquele fenómeno gerou. Esses que aqui designamos de ‘filhos da pandemia’ necessitam de especial referência, não como menos-válidos, mas como cidadãos psicologicamente condicionados, mesmo sem disso se aperceberem.

4. É notório que a pandemia de ‘covid-19’ no espaço de três anos e três meses – em Portugal de 2 de março de 2020 a 6 de maio de 2023, como data acertada pela OMS para ser declarada em extinção – deixou razoáveis consequências. Para além dos mortos – sete milhões – e dos infetados – 765 milhões ao nível global – há caraterísticas que emergiram de forma mais ou menos visível e tantas outras de índole pessoal. Atendendo ao isolamento prioritário para que o vírus não se propagasse, isso deixou influência nas pessoas e na sua saúde psicológica e mental: ansiedade, depressão, síndrome de Burnout (nas tarefas laborais), transtorno obsessivo compulsivo (cuidados higieno-sanitários), dependência química (em ordem a combater o stress)... foram alguns dos sinais que vieram para ficar com a pandemia e que levará anos a voltar à normalidade.

5. Todos nós, de algum modo – tácito ou explícito – somos ‘filhos da pandemia’. Aceitar tal procedência poderá ajudar-nos a conhecer-nos melhor, aceitando as limitações inerentes e sendo mais compreensivos para com os outros, que vivem idêntica situação. Tudo mudou desde 2020. O execrável chavão – ‘vai ficar tudo bem’ – foi desmontado pelo comportamento das pessoas. Mesmo sem disso nos darmos conta ficou bem à mostra a fragilidade de todos e de cada um. Não somos mais invencíveis, pois um sopro de vírus fez abanar toda a construção... A velha expressão ‘estamos todos no mesmo barco’ foi, no tempo da pandemia, mais do que clara e incisiva. Temos de encetar esforços para que não continuemos a desculpar-nos com a pandemia para vivermos esta espécie de ambiente egoísta em que boa parte nos posicionamos. Mais do que apontarmos o dedo aos outros, precisamos de corrigir-nos com humildade e verdade, já!



António Sílvio Couto

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