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quinta-feira, 4 de maio de 2023

Água: símbolo da vida e sinal de cultura

 


A água é um dos elementos mais significativos da história da Humanidade, nela, dela e por ela podemos compreender a cultura dos povos e mesmo as diversas expressões religiosas. Embora seja um elemento natural, a água exprime diferentes modos e atitudes do ser humano e das civilizações. Tida durante muito tempo como recurso quase-inesgotável, vemos, cada vez mais, a água como sinal em risco e meio de vida a preservar.

1. Será muito útil que assumamos a relação com a água – no nosso concreto com o curso do Rio Tejo – mesmo como componente de índole religiosa cristã. Se atendermos ao contexto da diocese de Setúbal mais de quatro quintos das paróquias têm relação com a água dos rios – Tejo e Sado – e mar numa extensão significativa. Mas haverá alguma diferença nessa abordagem? Percebe-se pelo anúncio da Palavra de Deus – pregação ou religiosidade – que estamos na proximidade das águas? Sensibilidade às coisas marítimas reduz-se a certos artefactos mais ou menos ligados ao mar e ao rio? Como se pode fazer uma correta leitura e vivência das coisas com sabor a água, enquanto fonte de diálogo humano e religioso?

Vamos tentar esmiuçar estas questões:

2. De facto, não se nota – grosso modo – diferença entre a expressão de fé em sequeiro e essa outra com alguma ligação a água. No entanto, é muito diferente a forma de propor e de viver a fé em cada um destes contextos. Valerá a pena olhar a sábia forma de comunicação de Jesus através das parábolas para compreendermos a diferença e o modo específico de o viver. Pena seja que não haja a mínima sensibilidade dos responsáveis diocesanos, quando têm de equacionar as mudanças nas paróquias – diga-se párocos e não só – pois tal atenção mediria se estamos a atender para onde se vai mais do que para resolver a função de quem vai para aquele lugar…


3. É de todo em todo importante não só saber qual a mensagem a comunicar, mas sobretudo deve ser tido em conta a quem essa mensagem é dirigida. O código marítimo é simples, mas não simplório, tornando-se essencial adequar a linguagem ao público a que ela é destinada. Reparemos mais uma vez no método de ensino de Jesus: foi com palavras simples e imagens interpelativas que o Mestre soube dar-se a conhecer e interpelar quem O ouvia. Por vezes complicamos o que é fácil e embrulhamos nas teias da confusão aquilo que quanto mais simples melhor é.


4. Não será pela assunção de colocar artefactos marítimos – redes, remos, boias… barcos ou simples miniaturas… roupas ou adereços – no contexto da celebração da fé – missas ou procissões, encontros ou colóquios – ou na sua proximidade, que fará de uma iniciativa algo que tenha a falar de Deus, com Deus ou para Deus…com sabor a sal e com mensagem recebida dos elementos da natureza onde a água está presente. Torna-se importante saber onde se quer chegar para que não caiámos no ridículo de termos sinais muito bonitos, mas pouco (ou nada) interessantes para a mensagem que se deseja comunicar.

No caso do rio Tejo há elementos que precisam de ser alocados aos espaços ribeirinhos, mas não podem ser buscados para entreter nem para ocuparem um ‘buraco’ de não-interesse à luz dos desejos daqueles que usam tais adereços. Depois de tanto tempo de costas voltadas para o rio, o movimento de olhar de frente o Tejo estava emperrado, mais pelo desinteresse do que por razões racionais e emotivas.


5. As terras de ‘ribatejo’ – de uma de outra margem – precisam de se unirem para verem com verdade e sensibilidade aquilo que as une e não tanto os motivos que as molestam e/ou separam. Por muito que isso possa ‘custar’ as certas forças, a dimensão religiosa do Tejo sobrepõe-se mesmo aos intentos económicos, tanto os do passado como os atuais. Já reparamos que há tantas ‘senhoras’ (de grande devoção) nas fraldas do rio Tejo? Como se explica que muitas dessas invocações tenham a ver com as atividades humanas desenvolvidas, tendo o Tejo por cenário? O teor marítimo dessas festas não se esgota em atividades de entreter nem se pode confundir com uns barcos em desfile mais ou menos lustroso.


6. O Tejo é, sobretudo, um veio de união, mas essa parece andar fugidia de habitantes e visitantes. Naquilo que há cultura de índole cristã diz respeito torna-se urgente criar sinergias entre todos sem preconceitos nem clichés ideológicos. Não há donos do rio nem assalariados do lazer, mas antes todos – e são muitos e bastante diversificados – devem dar o seu contributo em abertura de uns aos outros. O rio Tejo merece mais do que campanhas ou propostas enganosas: saído da fonte deve unir povos e culturas por onde passa.


7. Quando percebermos o rio descobriremos a nossa identidade marítima, sobre as águas, ao sabor da maré e perscrutando a voz de Deus por aí…


António Sílvio Couto

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