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quarta-feira, 10 de maio de 2023

A caminho de Fátima…

 


Por estes dias temos visto, através das televisões sobretudo, imagens de imensos grupos de peregrinos a caminho de Fátima, tanto do norte como do sul…todos fazem do santuário da Cova da Iria o termo de suas caminhadas… As modalidades são diversas, as motivações das mais díspares, as organizações muito diversificadas: todos querem atingir o almejado por forma a estarem lá para as celebrações.

1. Pelo que se pode dizer e saber, encetar o ‘caminho de Fátima’ continua a ser algo de muito pessoal, por vezes religioso e nem sempre tão católico, mas acima de tudo envolvendo o mistério do relacionamento entre os humanos e Deus, mesmo que este possa ser visto numa nebulosa de crença. De ano para ano cresce esta expressão religiosa. Creio que ninguém ousa julgar seja quem for e muito menos depreciar o esforço de meter pés a caminho e gastar alguns dias nesta romagem simbólica de vida e da própria vida.

2. Andando em busca de estórias sempre surgem relatadas vivências do foro pessoal-íntimo que nos deixam admirados do misto de razões e da complexidade das reações. Correndo o risco de exagerar quase se pode dizer que cada peregrino – e são aos milhares – tem motivações, que exprime de forma visível e tantas outras que guarda no mais profundo segredo do seu coração. O respeito pelas atitudes dos peregrinos faz dos caminhos de Fátima uma enciclopédia de sábia consulta para conhecermos a natureza humana, hoje como ontem.

3. Acrisolados pela recente pandemia não sabemos se houve um aumento de peregrinos a percorrerem os caminhos de Fátima. Parece, no entanto, haver uma melhor organização dos grupos, onde a dimensão espiritual é contemplada à semelhança dos aspetos físicos, de saúde e alimentares. É nesta confluência de dimensões que podemos atender à visão integral e integrada da experiência de peregrinação. Estima-se que não seja desvirtuada a caminhada com outros fatores mais mundanos e dalguma moda…

4. Estamos numa época de encruzilhada, notando-se mais os sinais de individualismo do que de sentido comunitário, onde se sobrepõe o ‘eu’ ao ‘nós’, mesmo quando este parece estar numa conjugação de pequenos ‘eus’. Não está em causa avaliar quem se faz peregrino dos caminhos da Fátima, mas antes precisamos de discernir as reais motivações e as implicações na vivência/celebração da fé cristã em Igreja. Com efeito, muitos dos fregueses do santuário de Fátima situam-se nas franjas da vida paroquial, deixando bastante a desejar sobre o compromisso no concreto da vida… de Igreja católica.

5. Agora que temos estamos em abordagem da sinodalidade na Igreja, urge investir na formação de cristãos que atendam mais aos outros do que a si mesmos, dando tempo e espaço para que consigamos aceitar os dons dos outros e favorecendo a possibilidade de que esses dons se tornem carismas, isto é, graças em favores dos demais. Qual tem sido a função do santuário de Fátima neste aspeto da Igreja? Não se favorecerá mais a vida individualista do que a dimensão comunitária? Apesar de algum esforço não se atende mais à promessa cumprida do que às consequências do compromisso pelos outros?

6. Segundo dados mais ou menos oficiais, os números dos peregrinos de Fátima que comungam nas missas ali celebradas não atinge um décimo dos participantes. Não será este um fator a ter em conta na pastoral daquele santuário? Mesmo com tanta gente a frequentar o santuário, torna-se importante não nos quedarmos pelas aparências, pois estas podem enganar quem se fique pelas exterioridades… Fátima é caminho, mas também pode ser espaço e oportunidade de mais e melhor conversão a Deus e aos outros, em Igreja!



António Sílvio Couto

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