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quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Humildade: de Pelé a Bento XVI

 


Com breves dias de distância, nos últimos momentos de 2022, faleceram duas figuras de significado global e de abrangência planetária: Edson Arantes do Nascimento – Pelé (29.12) e Joseph Aloisius Ratzinger – Bento XVI (31.12). De espaços culturais e geográficos diferentes, cada um a seu modo marcou o tempo e as dimensões de intervenção, por isso, os primeiros dias do novo ano ficaram ritmados por estas duas figuras tão díspares mas tão significativas…para todos.

Daquilo que se pode depreender de um e de outro há uma qualidade-virtude humana e espiritual que de ambos nos toca: a humildade – um na arte de jogar e de encantar enquanto jogador de futebol e outro na subtileza intelectual e de homem de Igreja, tanto na universidade como na condução dos seus irmãos na fé até à cátedra de Pedro em breves e incisivos oito anos…

1. Num tempo em que se exalta a presunção e o poder – das coisas materiais mais do que das de índole psicológica e moral – fica-nos uma certa estupefação para com Pelé e Bento XVI – deixamos cair os nomes próprios para assumirmos os nomes de função – pois eles brilharam num firmamento de estrelinhas cadentes e quase-decadentes. Nenhum deles se esqueceu de onde veio, mesmo que muito de baixo, socialmente, como Pelé, mas – tanto quanto se sabe – a importância nunca lhe subiu à cabeça nem a finura dos êxitos obnubilou seus projetos. Que dizer ainda de Bento XVI, uma das figuras mais marcantes da segunda metade do século vinte e do primeiro quartel do século vinte e um? No seu pouco mais de metro e meio de estatura corporal como era possível estar contida tanta sabedoria? Neste homem-de-Igreja de tanto poder foi percetível que vigorava alguém que servia Deus e seus irmãos…

2. Foi por entre os festejos da passagem-de-ano que ambos estiveram sobreterra. Esta palavra/expressão exprime o tempo que medeia entre a morte e o enterramento de uma pessoa… Pelé foi a sepultar no dia dois de janeiro, por entre manifestações populares de grande pesar e longo cortejo desde o lugar de velório – o estádio do seu clube de sempre, o Santos, no Brasil – e o cemitério por ele escolhido… durante horas milhares lhe prestaram veneração e milhões o recordaram…sobretudo os que têm mais de sessenta anos. Por seu turno, Bento XVI atraiu milhares e milhares em preito de homenagem ao homem de Deus, ao padre do Senhor e ao mestre da fé. Certamente muitos dos seus detratores ficaram confundidos com a aceitação popular. Quem não o compreendeu em vida, pior ficou na hora da morte. Quem o combateu em razão da sua firmeza ficou vencido na popularidade de encantamento de servidor de Deus e da Igreja.

3. Tentemos recolher as lições de vida, que tão inclitamente nos são ensinadas na hora da morte por estas veneráveis figuras, isto é, aprendamos a viver em humildade não só de conceitos como de gestos, sinais e com significado.

‘Humildade’ – e seus derivados – aparece mais de setenta vezes na Bíblia, desde o trato com Deus até à forma de conduta com os outros, mas sobretudo como vivência do próprio ser. Digamos, sem pretensão de exagero, que o humilde conquista Deus e faz bem aos outros, pois os edifica, ajuda e leva a encontrar Deus, que em Jesus Cristo se tornou humilde e nos faz entrar na sua escola: ‘aprendei de mim que sou manso e humilde de coração’ (Mt 11, 29). Por isso, não havia melhor data para morrerem Pelé e Bento XVI do que no rescaldo da vivência do Natal, data em que celebramos, por excelência, o mistério da humildade de Deus para connosco.

4. Num tempo em que parece viver-se na avidez da afirmação de tantos ‘egos’, estas duas figuras como que desmontam a prosápia de quem coloca a importância naquilo que tem e não naquilo que é de verdade. Por contraste para com quem corre pelos milhões e a adulação do seu ‘eu’, estas figuras chocam pela simplicidade e a forma humilde e sincera como nos provocam ao essencial. Num tempo em que se vive na fachada, importa deixa-se impressionar por quem é deste modo verdadeiro… Agora que correu o pano do palco podemos conhecer melhor os atores e a teia subtil das suas vidas!



António Sílvio Couto

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