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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Certas apatias…


Muitas vezes e de diversos modos tenho vivido ou sido confrontado com posições de pessoas cuja fachada (o rosto) se mostra numa atitude algo desconfortável e ao mesmo tempo reveladora de quem temos diante de nós. Na sabedoria popular se exprime aquilo que motiva esta reflexão-partilha: o mal e o bem ao rosto vem!

É isso que pretendemos analisar: quando alguém toma uma posição de uma pretensa indiferença, isso significa que aquilo que a envolve não a afeta ou toca…minimamente? Quando somos confrontados com certas apatias – no sentido etimológico do termo: ‘sem-sentimentos’ – em momentos de dor, de sofrimento ou de morte, isso será razão ou mais desculpa? Diante de certas apatias, não andará mais associado o disfarce (mesmo que inconsciente) do que a assunção das consequências?

1. É recorrente, em situações do falecimento de alguém e, sobretudo, nas celebrações religiosas, sermos confrontados com pessoas que quase dão a impressão de estarem amorfas perante tal vivência. Isso não é decorrente da interiorização da morte, mas dá a impressão de ser usada como que uma máscara de quem parece considerar-se acima de tais acontecimentos. Já vi pessoas com tal rosto aferrado que quase seria útil questionar se nos estão a fazer um favor, dado que foram eles que solicitaram o serviço… Estas apatias incluo-as na área das provocatórias mais ou menos visíveis…

2. Há, no entanto, outras apatias que entendo mais como reveladoras de alguma (ou será bastante?) ignorância. Novamente o cenário são os rituais funerários – mesmo assim com verniz cristão – onde se nota que alguns dos apáticos já se encontram numa fase ‘filosófica’ da quase negação de que, um dia, passarão pela etapa da morte. Quais esquifes alevantados assim alguns que assistem às rezas pelos mortos parecem estar numa outra instância em que pensam nunca estar. Não há maior engano nem pior posicionamento, pois mais breve do que expetável estão a ser velados com pior indiferença e apatia do que aquela que manifestam para com os defuntos…em ato.

3. Confesso que é preocupante a letargia moral – outros preferem dizer ética – e cultural em que estamos a laborar. De muitas e variadas formas se foi privatizando a morte e atirando-a para fora da visibilidade daquilo com que nos vamos entretendo quotidianamente. As pessoas saem de circulação – ou morrem quando dela são retiradas – com tal velocidade que dizer que somos frágeis e vulneráveis se torna quase um elogio, enquanto não esquecemos…totalmente. Hoje parece um tanto anacrónico alguém morrer em casa ou ao menos com a companhia de outra pessoa. Isto já para não falarmos do não-recurso aos momentos de oração cristã, por ocasião do falecimento.

4. Talvez devido à sensibilidade para com a memória dos nossos predecessores, sinto de forma mais pungente o esquecimento a que vejo tantos/as dos nossos praticantes ainda na fé a serem votados ao abandono e ao quase desprezo em sentimentos. É uma outra apatia que arrasta termos perdido a razão de onde vimos, quem somos e para onde vamos.Com efeito, se continuar em luto por excesso de tempo, não o viver minimamente poderá ser também revelador de algo ainda mais atroz…até pelo exemplo que deixa para os descendentes mais novos.

5. De todas as apatias a que mais me interroga é essa de tantos que, hoje, vivem como se Deus não existisse. Ora, se num passado de três ou quatro décadas, tal se verificava de forma residual, talvez aconteça já, no nosso país, que cerca de vinte a trinta por cento da população trata o assunto de forma ‘normal’. Embora se deixem conduzir por esta forma materialista de viver, nem por isso deixarão de ser julgados por esse Deus que evitam, que desprezam ou mesmo que negam. É essa apatia de ignorância, de faz-de-conta ou cultural que creio precisarmos de questionar, respeitando quem assim vive, mas também exigindo que nos respeitem se não estamos na sua onda...



António Sílvio Couto

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