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terça-feira, 16 de agosto de 2022

Porque todos os segundos contam

 


Quem estiver atento à publicidade – desde a mais comercial até à mais institucional, sem esquecer tantas outras subtis vertentes contidas nesta arte de comunicação – poderá encontrar as linhas-força de um tempo, de uma sociedade e quase de uma civilização. Disso mesmo me dei conta ao ver e ao ouvir uma publicidade sobre uma técnica de comunicação entre pessoas e onde surgiu uma frase algo inquietante sobre o modo como podemos aproveitar ou talvez desperdiçar o tempo e mesmo aquilo que nos resta de vida em cada dia: um segundo, qual a diferença?

1. Não será que um breve segundo poderá fazer a diferença entre a vida e a morte? Um segundo de distração, por exemplo na estrada, não poderá ter um destino trágico e irreparável? Um segundo de não cuidado, no caso de uma criança, não deixará marcas para sempre? Um segundo de silêncio (vazio) não poderá deitar a perder todo o investimento no relacionamento entre pessoas?

2. Estas e outras perguntas como que nos colocam perante uma questão fundamental – o tempo é curto e tem de ser aproveitado com toda a intensidade. Noutra época ouvi uma distinção sobre as diversas fases da nossa vida: até os vinte, posso tudo (a força física); até aos trinta, sei tudo (capacidade intelectual com algum excesso); dos trinta aos quarenta, tenho alguma coisa a aprender (a aferição às questões da vida, sabendo ver as limitações e as capacidades ainda asseguradas); dos quarenta aos cinquenta, há qualquer coisa que não sei e tenho de aceitar as limitações; depois dos cinquenta, tenho tanto a aprender com os outros…mais velhos ou mais novos; a partir dos sessenta, já quase não sei nada e preciso (aceitando ou sendo obrigado) de dar o lugar aos mais novos… talvez esteja a começar a idade da maturidade psicológica e – que bom seria – da maturação espiritual; depois dos setenta a experiência de vida quase que se comunica por osmose… depois dos oitenta estamos na idade da expetativa quanto a tudo e a todos…

3. Recordo ainda um episódio que se contava de um padre de Braga que, ao ver os outros mais velhos, decidiu escrever uma carta a si mesmo, para abrir somente quando fizesse sessenta anos. Se bem o pensou, melhor o fez. No dia do aniversário abriu carta com as recomendações que fizera a si próprio, quando atingisse tal idade, concluindo: ‘eras muito burro’… Presume-se que tais conselhos, além de desprezíveis, considerava-os não-aceitáveis… agora que atingiu a idade-barreira da sua reflexão em tempos da juventude.
Certamente já todos passámos por experiências idênticas: vermos que as observações para com os mais velhos bem depressa foram desmentidos pela nossa vivência ou ainda que os conselhos que pretendíamos dar aos mais novos serão facilmente desmontadas pelo nosso comportamento de antanho. Pena seja que nem sempre tenhamos, na devida conta e o correto discernimento, esta oscilação para o antes e pelo depois!

4. A velocidade a que andamos nem sempre nos permite aferir tantas das incongruências em que nos enredamos. Com efeito, tanta dessa pressa é inimiga de uma autêntica maturidade e quase corremos o risco de envelhecermos rapidamente, sem disso nos darmos conta, conscientemente. Pior ainda será vivermos numa espécie de eterna nostalgia sem conseguirmos viver a graça – no sentido de boa conduta e não meramente no sentido religioso – de cada idade. Aliás, certos momentos de convívio com outros de idade semelhante – tempos de escola/estudos, da vida militar ou de seminário – podem ajudar a recordar, mas correm o risco de não ajudar a amadurecer, verdadeiramente.

5. ‘Porque todos os segundos contam’, torna-se urgente assumir as vulnerabilidades de cada idade, tendo presente as condicionantes de cada lugar e deixando aberta a porta da boa convivência, pois podemos recordar, embora nem sempre seja viver: o passado ensina, o presente guia e o futuro alimenta a esperança de que haveremos de ser melhores cidadãos porque mais cristãos…

António Sílvio Couto

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