Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Hibernar na estiagem

 Sou daqueles que não gostam de férias em agosto. Talvez seja quase uma raridade, pois uma imensa maioria faz deste mês o seu tempo preferido de descanso, que, a meu ver, pela confusão de espaços, o atropelo de pessoas e mesmo o excesso de procura, esse tempo de férias como que fica condicionado…

Esta quase hibernação coletiva, em tempo de estiagem, torna-se um ritmo de vida que talvez não favoreça o pretenso tempo de descanso, não fossem as predisposições para aguentar tudo e o resto por esses (estes) dias.

 1. Custa-me a crer que se tenha de deixar de pensar só porque se está de férias. Vemos, por exemplo, articulistas que fecham a loja durante agosto e partem com destino ao nada ou sem lugar para onde. Agora que pode haver mais serenidade não seria de passar a escrito impressões e reflexões com maior (e melhor) profundidade? Agora que os neurónios se podem distender, dado que o stress do dia-a-dia foi atenuado, não seria útil canalizar as reflexões para assuntos de maior interesse e de possível acutilância? Não terão ficado para trás temas e assuntos que precisam de mais tempo de aprofundamento e que o tal tempo de férias ajudaria a colmatar? Por estas e outras questões considero um exagero que se não continue a veia de partilha/reflexão em tempo de férias, em agosto ou noutro qualquer mês…

 2. Num tempo considerado de ‘sealy season’ vemos que surgem (ou reaparecem) temas de algum nojo, quando considerados em circunstâncias normais. Veja-se a exploração de temas de escândalo, sobretudo se atingem pessoas, entidades ou personagens ligadas à Igreja…numa exploração quase a roçar o ridículo, ou se não se suspeitasse quem possa estar interessado em tal fascínio doentio. Dada a quase ausência de temas político-partidários vai-se escarafunchando em assuntos que possam (pretensamente) dar audiências – e possivelmente publicidade – nem que seja requentando coisas sem nexo nem interesse.

Tirando o calor e as praias pouco fica para entreter quem ainda tem tempo para gastar diante da televisão. Começam a voltar os jogos de futebol (ao nível internacional e cá por casa), discutem-se táticas e troçam-se galhardetes de clubismo, acirram-se os ânimos em tempos de discussão, que tem tanto de inútil quanto de irracional.

À exceção de festas e romarias, vemos arrastar-se o mês de férias ao ritmo do calor sufocante – este ano bem mais agreste do que noutros tempos – e dos fogos florestais tão cíclicos quão fatídicos…

 3. Com o país inclinado ainda mais para o litoral, nesta época do ano, vemos como certas regiões se tornam espaços quase irrespiráveis, tal o sufoco de pessoas, o acrescento do custo de vida e até a possibilidade de escassez de recursos para alimentar tanta gente e com níveis de exigência progressivamente crescentes. Agora que os gastos – pessoais, familiares e sociais – aumentam, vemos diminuir a força de trabalho. Quando o ‘direito’ a férias se sobrepõe às obrigações de todos e de cada um, precisamos de saber para onde vamos, não aconteça de sermos beneficiários de regalias que podem suicidar o futuro a curto e a médio prazo.

 
4. Na ementa dos eventos deste tempo de estiagem vemos com realce as diversas ‘festas’ – algumas ditas religiosas, mas onde o tal religioso serve mais os intentos do popular; outras de teor populista, onde não faltam as ‘autoridades’ autárquicas e não só a perfilarem-se nos espaços religiosos; outras ainda que usufruem da designação ‘religiosa’, mas cujo teor serve para o que serve e vale para aquilo que querem que valha – ocupando e entretendo incautos, preenchendo programas de fachada e até dando cobertura aos intentos mais subtis de promotores, executores e beneficiários…

Não fossem os dois anos de interregno das ‘festas’ e estaríamos a maldizer a nossa sorte, pois temos de purificar tanta coisa espúria que poucas energias nos ficam para fazermos bem o que de menos mau temos suportado. Queira Deus que sejamos dignos de interpretar o que estamos a viver…com verdade, humildade e sinceridade!    

 

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário