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quinta-feira, 14 de outubro de 2021

‘Papagaios e robertos’...de ocasião

 


Sou procedente de um meio (quase) rural, que, embora, numa espécie de epicentro, entre três cidades de média dimensão, não perdeu a configuração de algum encanto perante certas iniciativas ‘culturais’ de ocasião. Recordo, na década de setenta do século passado, a presença de um pequeno circo no centro da localidade: era coisa rudimentar, mas que encantava a quem ainda não tinha visto melhor. De entre os números apresentados havia um que me atraía mais a atenção: os ‘robertos’ – só mais tarde fiquei a saber o significado de tais figuras marionetas ou fantoches – que apareciam em bonecos de trapo, manobrados por habilidosas mãos, enquanto se gerava um diálogo jocoso dos intervenientes...
Veio-me à lembrança tais memórias, ao ver, hoje, certas figuras (figurinhas ou figurões) na praça pública, seja da comunicação social, seja nas lides políticas e em tantos outros campos de visibilidade. 

1. Será o humor sarcasmo ou correção? Acredite quem quiser que não me sinto suficientemente capaz – por incapacidade inteletual, compreensão terminológica ou desintonia gramatical – de coompreender as intervenções de certos/as humoristas de serviço. É certo que os trejeitos de insinuação são algo mais apropriados para uma certa bolha ideológica. Também a promoção de tais cozinhados só se entendem para quem usa dessa outra culinária. Escapa-me, porém, alguma apropriação dessas personagens em espaços de referência da Igreja católica, como se fossem novos evangelizadores dos sorumbáticos crentes de sacristia. Há humoristas que se colocam em tal patamar de intervenção, que podem dizer tudo e o resto do nada que aqueles que os ouvem, aplaudem-nos, quase sempre, efusivamente...Será por mimetismo ou por simpatia bacoca? 

2. ‘Ridendo castigat mores’ (a rir se corrigem os costumes). Esta terá uma estratégia do nosso grande Gil Vicente com as suas ‘peças’ teatrais, fazendo/inventando figuras jocosas para atingir os seus fins de correção moral da época e de outros tempos. Dir-se-á que a veia do humor percorre as veias da nossa cultura. Por isso, os ‘profissionais’ da brincadeira deviam ter mais respeito pelo que dizem, como falam e a quem se dirigem... Coisa que não se percebe nos dias que correm! 

3. Psicologia de papagaio. Nota-se, no entanto, no subterrâneo da nossa conduta social uma outra corrente talvez bem mais perigosa e subtil. Uns tantos limitam-se a imitar aquilo que lhe ensinaram em jeito de instrução de papagaio: dizem e falam como quem os educou; reproduzem e transmitem coisas (‘valores’ não são de certeza) de duvidosa qualidade; reluzem culturalmente no plágio em ‘copy-paste’... É confrangedor o nível de tantos/as que hoje intervêm na vida pública. Programas de perfeita insanidade mental continuam a fazer a delícias – se tal não fosse, não se fariam edições umas atrás das outras – das audiências televisivas. A quem interessa manter no ar tais vergonhas? Porque não se risca, de vez, a confusão do futebol-falado? Até onde irá a intoxicação ideológica de que só a esquerda é que tem voz sobre tudo e quase nada?
Para ilustrar este clima cultural deixo, mais uma vez, a estória dos desejos dos filhos para com a mãe-velha.

Três irmãos, depois de uns anos separados, encontraram-se. Tinham conseguido bons empregos e viviam todos numa razoável vida de sucesso…Quiseram, então, cada um deles dar um presente a sua mãe muito idosa, que não saíra da sua terra natal. Segundo as suas posses cada um foi dizendo: eu dei à mãe uma grande mansão. Outro: eu enviei-lhe um carro Mercedes topo de gama… Outro ainda, tentando interpretar os gostos religiosos da mãe, disse: eu, como sei que a mãe está quase cega, mandei-lhe um papagaio castanho que sabe a Bíblia toda de cor… Foram anos de treino do pássaro num convento… basta que a mãe diga o capítulo e o versículo e ouve logo o que quer escutar. Passados dias os filhos receberam, cada qual, uma carta da mãe, agradecendo os presentes. Dizia: José, a casa que me compraste é muito grande. Eu moro apenas num quarto e canso-me muito a limpar a casa toda. Francisco, eu estou velha para sair de casa e viajar. Fico em casa o tempo todo e quase nunca uso o Mercedes que me deste… além disso o motorista é muito malcriado. António, foste o único que sabe do que a tua mãe gosta: aquela galinha estava deliciosa. Muito obrigado.

Com certos papagaios a fazerem de robertos estaremos em maus lençóis e piores consequências…

António Sílvio Couto

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